Relatório da OMS explica por que homens vivem menos que mulheres
Acesso desigual aos serviços de saúde é apontado como um dos principais fatores das disparidades na expectativa de vida.
Pela primeira vez, o relatório anual da OMS (Organização Mundial da Saúde), lançado na semana passada, chega mais perto de uma questão já bem conhecida mas pouco compreendida: por que, afinal, mulheres vivem mais do que os homens no mundo, principalmente em países ricos?
Com base nos atuais riscos de mortalidade estimados pela OMS, os meninos que nascidos em 2019 viverão, em média, 69,8 anos, e as meninas, 74,2, uma diferença de 4,4 anos. A expectativa de vida aos 60 anos também traz vantagens para as mulheres: 21,9 contra 19 anos.
O Brasil está um pouco melhor nesse retrato. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a expectativa de vida ao nascer, em 2019, é de 80 anos para mulheres e de 73 anos para homens.
Para a OMS, o acesso desigual aos serviços de saúde é um dos principais fatores das disparidades na expectativa de vida de homens e mulheres. Tanto que essa diferença é menor nos locais onde as mulheres não têm acesso aos serviços de saúde e morrem de causas evitáveis, como problemas relacionados à gestação e ao parto.
As atitudes em relação à atenção à saúde também são responsáveis pelas disparidades. Nos lugares onde homens e mulheres enfrentam a mesma doença, eles muitas vezes procuram menos os serviços de saúde.
Em países com epidemia generalizada de HIV, por exemplo, os homens são menos propensos do que as mulheres a fazer o teste de HIV e a ter acesso à terapia antirretroviral e, em consequência, têm mais chances de morrer de doenças relacionadas à Aids.
Da mesma forma, os pacientes com tuberculose parecem ser menos predispostos a procurar atendimento do que as mulheres com essa doença.
O relatório também destaca a diferença nas causas de morte entre homens e mulheres —algumas biológicas, outras influenciadas por fatores ambientais e sociais, além, é claro, daquelas afetadas pela disponibilidade e aceitação dos serviços de saúde.
Das 40 principais causas de morte, 33 contribuem mais para reduzir a expectativa de vida em homens do que em mulheres. Em 2016, a probabilidade de uma pessoa de 30 anos morrer de uma doença não transmissível antes dos 70 anos de idade era 44% maior em homens do que em mulheres.
As taxas globais de mortalidade por suicídio são 75% mais altas em homens do que em mulheres. A mortalidade por acidentes de trânsito delas é o dobro da dos homens; os índices de mortalidade por homicídio, três vezes maiores em homens.
Mas viver mais tempo também tem consequências. As mulheres das sociedades ocidentais vão mais ao médico, tomam mais remédios, sofrem mais doenças e têm mais limitações físicas, particularmente nos últimos anos de vida, segundo artigo publicado na revista biomédica Cell Press.
No entanto, estudos recentes têm indicado que a diferença na expectativa de vida entre os homens e mulheres deve diminuir em um futuro próximo.
Uma pesquisa do Imperial College de Londres aponta que essa distância no Reino Unido, hoje de três anos, será de um ano e nove meses em 2030.
Entre os fatores estão a queda no consumo de álcool e tabaco entre os homens, ao passo que as mulheres, especialmente as mais jovens, têm bebido mais.
Avanços na luta contra doenças cardíacas, mais frequentes no público masculino, também são um fator de redução da diferença na expectativa de vida.
Mortes relacionadas a acidentes de trânsito estão diminuindo em muitos países, o que também deve ajudar a aumentar o tempo de vida dos homens.
Ainda assim, compreender essas diferenças continua vital para que os sistemas de saúde entendam quem está sendo deixado para trás nos cuidados de saúde, por quê e o que é possível fazer para diminuir essas disparidades.
Um caminho proposto pela Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) é melhorar o acesso e a eficiência da APS (Atenção Primária à Saúde), que envolve serviços de saúde integrados e de qualidade, que vão de promoção e prevenção a tratamento e reabilitação.
Se nós, cidadãos, tivéssemos a mínima noção do enorme ganho de uma APS forte nas redes pública e privada, como muitos países europeus já tiveram, mudaríamos muito o nosso atual conceito de valor em cuidados de saúde. Que passa bem longe dos hospitais luxuosos, dos médicos de grife que, muitas vezes, mal te olham, e do excesso de exames e tratamentos desnecessários.