Revista censurada por STF diz que ministro aplicou multa de R$ 100 mil
O Supremo Tribunal Federal aplicou multa de R$ 100 mil à revista Crusoé, segundo a publicação, por considerar que foi descumprida a decisão de retirar do ar uma reportagem sobre uma menção ao presidente da corte, ministro Dias Toffoli, pelo empreiteiro e delator Marcelo Odebrecht.
Segundo a revista, a decisão do STF de multá-la, da qual foi notificada na noite desta segunda-feira (15), diz apenas que “foi certificado o descumprimento da ordem judicial”, sem qualquer explicação adicional. A revista afirma que a reportagem já foi retirada do ar.
O advogado da revista, André Marsiglia dos Santos, classificou a decisão de multar a publicação de “absurda”, uma vez que, segundo ele, o site retirou o texto do ar no menor tempo possível.
A ordem para a exclusão das reportagens foi do ministro do STF Alexandre de Moraes. Ele determinou que os sites da revista Crusoé e O Antagonista retirassem do ar reportagem e notas publicadas na semana passada sobre uma menção a Toffoli feita por Odebrecht em um email.
O ministro alega que a revista publicou fake news. A Folha teve acesso ao documento, autêntico, assinado por um advogado de Odebrecht. Não é fake news. Segundo a TV Globo, o material foi incluído nos autos da Lava Jato em Curitiba no dia 9 de abril e retirado três dias depois, após a notícia publicada pela Crusoé. Com o processo corre sob sigilo, não se sabem as razões dessa movimentação.
A decisão de Moraes foi no âmbito de um inquérito aberto pelo STF em março para apurar fake news e mensagens que atentem contra a honra dos membros do tribunal. O site foi notificado para excluir os textos na manhã desta segunda-feira.
Moraes impôs multa de R$ 100 mil por dia caso houvesse descumprimento. O ministro também determinou que os responsáveis pelos sites prestem depoimento em até 72 horas.
Segundo a reportagem de Crusoé que motivou a ação do Supremo, Marcelo Odebrecht enviou à Polícia Federal, no âmbito de uma apuração da Lava Jato no Paraná, esclarecimentos sobre menções a tratativas lícitas e ilícitas encontradas em seus emails.
Uma das menções, de acordo com o delator, era a Toffoli. Na época do email, julho de 2007, Toffoli não era ministro do STF, mas ministro da AGU (Advocacia-Geral da União), no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O email foi enviado por Marcelo Odebrecht a dois executivos da empreiteira, Adriano Maia e Irineu Meirelles, e dizia: “Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo de meu pai?”. Não há no email nenhuma citação a pagamentos.
Odebrecht explicou à PF, de acordo com a revista, que a mensagem se referia a tratativas que o então diretor jurídico da empreiteira, Adriano Maia, tinha com a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia.
Após a decisão de Moraes, a direção da revista reafirmou o teor da reportagem, considerada pela publicação como censurada pelo Supremo.
Moraes escreveu que a Constituição proíbe a censura prévia, mas permite reparações posteriores à publicação de um conteúdo.
“A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana”, afirmou o ministro em sua decisão.
Ele destacou que a Procuradoria-Geral da República divulgou nota na última sexta, após a publicação da reportagem, afirmando que o documento com a menção a Toffoli não havia sido remetido ao órgão —diferentemente do que dissera o texto.
“A gravidade das ofensas disparadas ao presidente deste Supremo Tribunal Federal, no teor da matéria, acima mencionada, provocou a atuação da Procuradoria-Geral da República, que publicou nota de esclarecimento”, disse Moraes.
“Obviamente, o esclarecimento feito pela Procuradoria-Geral da República torna falsas as afirmações veiculadas na matéria 'O amigo do amigo de meu pai', em típico exemplo de fake news —o que exige a intervenção do Poder Judiciário”, decidiu o ministro.
O diretor de Redação de Crusoé, Rodrigo Rangel, afirmou que “reitera o teor da reportagem, baseada em documento, e registra, mais uma vez, que a decisão [de Moraes] se apega a uma nota da Procuradoria-Geral da República sobre um detalhe lateral e utiliza tal manifestação para tratar como fake news uma informação absolutamente verídica, que consta dos autos da Lava Jato”.
“Importa lembrar, ainda, que, embora tenha solicitado providências ao colega Alexandre de Moraes ainda na sexta-feira, o ministro Dias Toffoli não respondeu às perguntas que lhe foram enviadas antes da publicação da reportagem agora censurada”, afirmou o jornalista.