Roubança, antes, durante e pós-Copa
A revelação contínua de bandidagens no governo de Michel Temer e da participação de grandes empresas e altos executivos em piratarias tem causado choque até nestes dias em que nos sedamos temporariamente com a Copa. Chicanas no alto Judiciário e a atitude relaxada em relação a gente muito suspeita apimenta a raiva e a desesperança populares.
Não está fácil sustentar o velho clichê de que a impunidade propicia a corrupção: a punição parece inócua.
O risco agora algo maior de ser flagrado, processado e de passar um tempo na cadeia não tem tido efeito dissuasivo suficiente.
Talvez alguém diga que as penas ainda tenham alcance e força restritos.
No limite, a amputação de membros, a guilhotina ou a forca talvez inibissem os sociopatas da roubança.
Esta última frase poderia ser apenas sarcasmo de mau gosto sinistro.
Não é bem assim, pois serve também de metáfora para os desejos de parte da população, cada vez mais encantada com ideias ignorantes, violentas e autoritárias para lidar com a insegurança e a desordem política. Basta ler as pesquisas eleitorais.
Sim, ainda persistem muitas de outras condições que incentivam ou elevam a propensão a saquear o Tesouro público.
Além de cana, é preciso uma reforma demorada do Estado, de suas relações com empresas e também mudança na Justiça lenta e arbitrária.
Mas, para a percepção popular, pouco parece mudar; é preciso varrer todos os que estão aí ou uma intervenção autoritária.
O processo do mensalão tem mais de dez anos. Em 2007, o Supremo aceitou a denúncia de 40 mensaleiros pela Procuradoria-Geral da República. As duas dúzias de condenações têm quase seis anos. A festa continuou, porém.
Mesmo sob a Lava Jato, que tem mais de quatro anos, a gangue dos Odebrecht e a dos Batista Friboi corrompiam de modo sistemático, para citar os mais notórios. No governo Temer, rouba-se do INSS ao ministério do Trabalho, diz a polícia e suspeita um ministro do Supremo. O ex-secretário-geral do Governo, Geddel Vieira Lima, fazia mutretas no cargo e é um presidiário de longa duração, como outros caídos da cozinha temeriana.
O que foi o maior partido de esquerda, o PT, trata seus corruptos calados como heróis. O tucanistão, São Paulo, mas não só, protege a bandalha do PSDB com processos de lerdeza escarninha.
Ex e futuros presidiários comandam partidos do centrão, cortejados para alianças eleitorais decisivas.
É notório que quase nada se comente ou se faça a respeito de corrupções de governos estaduais por empreiteiras e firmas de engenharia, do Acre ao Rio Grande do Sul.
Viveriam em odor de santidade, ao contrário das grandes irmãs que contribuíram para a destruição do país?
De mais recente, quem frequenta as redes insociáveis pode notar que voltou a se disseminar a ideia de que progride um acordão; que os doleiros presos (alguns nem isso) serão protegidos por terem o que dizer "dos ricos".
Portanto, é fácil entender que, na economia política popular, a falência do país se deva à corrupção descarada, não à administração macroeconômica inepta.
Dadas a bandalheira persistente e aparente ineficácia do devido processo judicial, a esta fantasia vai se juntando a ideia de uma solução de força, "fora da política", "sem partido". É óbvio e assustador. Quem liga? As elites opinionadas e a casta política, alienada ou em parte sociopata, não parecem se comover.
vinicius.torres@grupofolha.com.br