Só 4 em 10 estudantes da rede pública miram diploma universitário
Apenas 4 em cada 10 alunos brasileiros de 15 ou 16 anos que frequentam escolas públicas esperam concluir um dia o ensino superior convencional —com, no mínimo, quatro anos de duração— ou uma pós-graduação. Entre os estudantes da rede privada, a relação salta para quase 7 em 10.
Esse retrato emerge dos questionários que os adolescentes do país preencheram ao realizar o último Pisa, teste internacional de aprendizagem, em 2015, segundo levantamento inédito do Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional).
Diferenças de oportunidades ao longo da infância e da adolescência levam os jovens brasileiros a desenvolverem níveis distintos de aspiração. Isso ajuda a criar um hiato de expectativas em relação à formação educacional.
Entre os alunos de escolas públicas, 38% se consideram ambiciosos. Nas particulares, o percentual sobe para 55%. As informações de 17.523 alunos colhidas pelo Iede na base de dados da OCDE (organização responsável pelo Pisa) mostram a cadeia de fatores que explicam esse quadro. O nível socioeconômico da família de uma criança costuma ter grande influência sobre seu futuro. Pesquisas mostram que a escolaridade dos pais é um dos determinantes da aprendizagem dos filhos.
Entre os brasileiros de escolas particulares que fizeram o último Pisa, 42,7% tinham mães com ensino superior completo. No universo dos estudantes das instituições públicas, essa fatia era de 11,5%.
“Tudo começa na primeira infância. O cérebro é desenvolvido a partir da interação com o meio”, diz o economista Naercio Menezes Filho, professor do Insper e da USP. “As crianças nascidas em famílias mais pobres recebem menos estímulos. Quando chegam à escola, já estão defasadas”, completa o especialista.
O ideal é que os pais menos favorecidos recebam orientação e apoio para estimular corretamente seus filhos desde a gestação. Mas iniciativas nessa direção ainda engatinham no Brasil. Além disso, as vagas em creches são insuficientes.
Caberia então à escola reduzir significativamente ou eliminar essa defasagem. O problema é que, no Brasil, isso também não ocorre.
Um exemplo dessa fronteira é a universitária Rubia Muniz Arruda, 18, que sempre acreditou que chegaria ao ensino superior embora tenha feito todo o ensino básico em escolas públicas.
Em 2017, ingressou na faculdade, fronteira que nem o pai, taxista, nem a mãe, cabeleireira, haviam cruzado.
Depois de fazer um cursinho dos alunos do Insper para jovens de baixa renda, passou no vestibular da própria instituição. Com bolsa integral, estuda administração de empresas na faculdade privada.
Estudos mostram, por exemplo, que uma boa gestão escolar é crucial para a aprendizagem adequada. Mas a distância entre o universo público e o privado é significativo.
Os dados analisados pelo Iede revelam que 41% dos alunos da rede pública brasileira não conseguem ouvir o que o professor fala na maioria ou em todas as aulas de ciências —disciplina foco do último Pisa.
Esse percentual é mais do que o dobro dos 21% registrados entre os estudantes de unidades privadas. Entre aqueles que frequentam escolas particulares, mas têm nível socioeconômico próximo à média da rede pública, essa fatia é de 27%.
Barulho e desordem, longa espera até que a turma se acalme e dificuldade de trabalhar bem também são episódios que ocorrem com frequência muito maior nas instituições públicas, segundo os alunos.
“Os muitos desafios enfrentados pelos profissionais da rede pública contribuem para esse cenário de maior desorganização”, diz o economista Ernesto Faria, diretor-fundador do Iede. Ele cita a grande heterogeneidade das classes: “Os estudantes com vulnerabilidade social grande ou extrema estão na rede pública”, diz.
Outras dificuldades são a indisciplina, o diálogo menos frequente entre escolas e pais e, muitas vezes, uma relação difícil com as redes.
Tudo isso ajuda a explicar a grande defasagem na aprendizagem dos alunos da rede pública em relação aos da privada que, em 2015, era de quase três anos, segundo os dados da avaliação internacional. A sensação de não estar aprendendo somada à repetência mais alta e ao fato de que 40% dos adolescentes das escolas públicas trabalham de forma remunerada reduzem suas expectativas em relação ao futuro.
“Eles passam a acreditar que algumas coisas não são para eles”, diz Faria.