Sem festa e com dívida, clube que teve atletas de Copa sofre aos 100
É comum o centenário de um clube ser marcado por festa e perspectivas de formar bons elencos e títulos.
Berço do surgimento de três jogadores convocados pela seleção brasileira para Copas do Mundo, o Batatais, que completará em setembro seu primeiro século, teve objetivo bem mais modesto: não ser rebaixado pela segunda vez seguida.
O glamour típico dos centenários –como o do Flamengo de 1995, com o “melhor ataque do mundo”, de Sávio, Romário e Edmundo, que não prosperou– deu espaço à falta de dinheiro e à preparação tardia do time para a disputa da Série A-3 do Paulista, a terceira divisão.
O time só foi montado em dezembro, jogadores chegaram durante o campeonato e, em apenas três meses, três técnicos diferentes comandaram a equipe.
Ações judiciais, dívidas trabalhistas, pouco público no estádio, salários atrasados e o desejo de se desfazer de patrimônio para mantê-lo em atividade fazem parte da rotina do clube, fundado em 1919 e onde o zagueiro Baldocchi, tricampeão em 1970 (México), o goleiro Batatais e o atacante Lopes, que ficaram em terceiro lugar na Copa de 1938 (França) iniciaram a carreira.
Em campo, o time iniciou a campanha de forma cambaleante. Nos quatro primeiros jogos ganhou um, empatou outro e foi goleado nos dois jogos seguintes, sofrendo 10 gols, o que fez torcedores temerem nova queda. Em 2018, foi lanterna da Série A-2 e caiu.
A mesma torcida até sonhou com uma vaga no G-8 quando venceu dois jogos seguidos, o que não ocorria desde março de 2017, mas perdeu do Barretos e a euforia de sua pequena torcida foi contida.
Em sete jogos em casa, só 2.681 torcedores pagaram ingresso, média de 383 por partida.
Apesar disso, chegou à 13ª rodada, das 15 da primeira fase, com chances de classificação. Se vencesse o Comercial no último dia 20 ainda brigaria e já eliminaria o risco de rebaixamento, mas o empate (1 a 1) fez o Batatais dar adeus à chance de disputar o acesso.
O clube terminou a A-3 na 12ª colocação e conseguiu fugir da queda para a quarta divisão estadual.
“O orçamento complica, às vezes a gente quer um atleta e não dá. Não temos orçamento de time de primeira divisão e a estrutura é defasada em relação a viagens, equipamentos e academia. Aqui se paga, mas com atraso, e isso é normal nos times de menor expressão”, disse o técnico Thiago Oliveira, que jogou com Pep Guardiola no Qatar na década passada e na cidade é visto como salvador da pátria.
Na penúltima rodada da fase de classificação do Paulista, o time jogou às 10h contra o Monte Azul, fora, e perdeu por 3 a 1. Percorreu os 140 quilômetros entre as cidades no mesmo dia, devido à falta de dinheiro para ficar num hotel.
“A diretoria se esforça, mas não consegue ter excelência. Mas é um clube fantástico, de história, e me prontifiquei a ajudar, por tudo que fez por mim e minha carreira. Em 2016 fizemos uma campanha muito boa aqui”, diz Oliveira
O elenco tem jogadores da base, eliminada na primeira fase da Copa São Paulo de Juniores, e também alguns veteranos, como o zagueiro Fábio Bilica, 40, que em 2000 defendeu a seleção nos Jogos Olímpicos de Sydney.
Se hoje as dificuldades são imensas, no passado o clube tinha dinheiro e quase chegou à elite. Construiu o estádio Dr. Oswaldo Scatena –de uma família que chegou a ser dona de banco–, concluído nos anos 1960, e, em 1949, fez final da divisão de acesso com o Guarani, que venceu e subiu.
O campo no local já existia desde 1917, dois anos antes de o clube ser fundado, e ali jogaram o goleiro Batatais (1910-1960) e o atacante Lopes (1910-1996).
“Me preocupa [a crise no clube]. Tem de haver um basta nas direções dos clubes, não só do Batatais. Não pode diretor assumir e querer vender casa ou terreno. Se quer ser presidente, ótimo, não é todo mundo que quer, mas tem de saber direitos e deveres. O cara chega, faz coisa errada, larga o clube e vai embora. Sobra para quem assume vender para cobrir rombo”, disse o ex-zagueiro José Guilherme Baldocchi, 73, que iniciou a carreira em 1964 no clube, jogou uma temporada e foi vendido ao Botafogo de Ribeirão Preto. Defendeu ainda Palmeiras, Corinthians e Fortaleza, além da seleção.
Segundo ele, a diferença do futebol no clube em sua época em relação a hoje “é muito grande”, por ser dirigido por pessoas que não deixavam a crise chegar. “Além disso, havia uma base, o time não mudava inteiro de um campeonato para outro, como é hoje.”
As dívidas que o clube acumulou ao jogar a Série A-2 (entre 2015 e o ano passado) chegaram a cerca de R$ 3,5 milhões, a maior parte trabalhista, de acordo com o presidente do clube, José Luis Lobanco Arantes.
Em 2016, o clube chegou à semifinal da A-2 e, no ano seguinte, disputou vaga na segunda fase até a última rodada. Já em 2018, sem dinheiro, fez parceria com o ex-volante Bernardo (ex-São Paulo e Bayern de Munique), que levou jogadores e comissão técnica para o clube, e caiu. Sem o parceiro, o time teria parado, diz Lobanco.
Foram pagos cerca de R$ 550 mil, restando R$ 2,9 milhões, e o custo enxugou folha de pagamento e outras despesas, que hoje ficam em R$ 70 mil mensais, incluindo viagens.
A verba que recebe da FPF (Federação Paulista de Futebol), que estava bloqueada para o pagamento de dívidas, foi parcialmente liberada após um acordo.
Com isso, o clube deve receber entre R$ 150 mil e R$ 170 mil –60% do total– para o campeonato. Mesmo assim, os salários de fevereiro estão atrasados.
“A verba não é suficiente, longe disso, pois o campeonato não se resume ao seu início e fim, é preciso ter toda uma preparação e isso custa.”
Por isso, diz ele, o time foi montado em cima da hora. “Quando não tem recurso, tem de optar pelo mais barato. Nem sempre o mais barato é o que tem qualidade. Há uma limitação salarial grande, justo no período em que começam todos os campeonatos. Jogador tem até condições de leiloar seu passe.”
Para fazer caixa, a ideia é vender um terreno avaliado entre R$ 200 mil e R$ 250 mil. Se der certo, metade pagará as contas atuais e o restante, parte do passivo.
Em meio a tudo isso, o centenário será comemorado? “Tudo esbarra em custo. Ainda não tivemos tempo para desenvolver muita coisa. Fizemos um selo comemorativo e a dificuldade é tão grande que ainda não pensamos. No fim do campeonato vamos pensar nisso.”
Apesar disso, Lobanco –que ocupou cargos no clube desde 1983, assim como seu pai, em décadas anteriores– disse que há o que se comemorar, pois o clube tem um envolvimento social muito grande com a história da cidade.
“A diretoria era formada por famílias ilustres, o que não ocorre hoje. Muitos deixaram de participar aos poucos conforme outras pessoas fizeram atos que prejudicavam o clube.”