Sentença literária
Deu no jornal. Pelo roubo de um celular, dois jovens peruanos foram condenados a ler dois livros “de autoajuda”, como os classificou a juíza Katy Jurado, autora da sentença. Os livros são “Pai Rico, Pai Pobre”, dos “empreendedores” americanos Robert Kiyosaki e Sharon Lechter, e “O Alquimista”, de Paulo Coelho. Os rapazes, de 21 e 23 anos, poderão fazer isto em liberdade, mas, daqui a um ano, terão de se submeter a uma arguição da juíza para provar que os leram e absorveram suas edificantes mensagens. Ou isto ou cana.
Você deve estar se perguntando que sentença é esta, tão camarada, e desde quando ler livros é um castigo? Depende do livro. Agrippino Grieco, grande crítico brasileiro do século passado, contou que costumava doar aos presídios os livros de certos autores que achava horríveis e as editoras não paravam de lhe mandar. Um dia, Grieco caiu em si —por que fazer essa maldade com os presidiários? Os coitados já estavam cumprindo pena, e ainda teriam de ler os livros daqueles canastrões? E parou de mandar.
A juíza justificou sua decisão como visando a “ressocialização e reabilitação dos condenados”. Certo, mas por que esses títulos? “Pai Rico, Pai Pobre”, que já vendeu milhões, é um manual do enriquecimento rápido e a qualquer custo —será assim tão inspirador? E Paulo Coelho diz que seus livros não são de autoajuda, mas romances sérios. “O Alquimista”, por exemplo, é um romance sério do tempo em que o nosso Paulo se dizia mago e fazia chover.
Quanto a mim, gostei da ideia. Se nossos juízes adotarem a pena da leitura de um livro por cada celular roubado no país, será a salvação da indústria editorial brasileira. Como aqui roubamos mais de um por minuto, imagine quantos livros nossas editoras não venderiam por ano.
E por que só de celulares? Nossa modalidade de roubos é tão vasta e variada que, com esta lei, o livro brasileiro estaria salvo para sempre.