Sob ameaça, funcionários públicos vão protestar contra o governo de Hong Kong

Uma lei de extradição que provocou controvérsia, a reação da polícia aos protestos que se repetem há semanas em Hong Kong e a resposta limitada das autoridades às reivindicações da população, tudo isso gerou uma onda rara de insatisfação dentro das fileiras do próprio governo —funcionários públicos supostamente obrigados a observar a neutralidade política.

A expectativa é que funcionários públicos se reúnam num protesto de duas horas na noite de sexta-feira (2) em uma manifestação de resistência, enquanto a crise política em Hong Kong, que se arrasta há oito semanas, atrai um coro crescente de críticas voltadas ao modo como as autoridades vêm tratando a revolta.

Os organizadores do protesto de hoje preveem a presença de mais de mil participantes –um número menor que muitos outras manifestações promovidas na cidade, mas significativo uma vez que o governo já informou que os funcionários que participarem estarão violando os termos de seu trabalho e sofrerão consequências.

O protesto planejado ocorre após o envio de uma carta aberta anônima de funcionários públicos à líder da cidade chinesa semiautônoma, a executiva-chefe Carrie Lam, ela própria funcionária pública de carreira há quase quatro décadas.

“Como funcionários públicos, estamos profundamente envergonhados do que o governo vem fazendo”, eles escreveram na carta, que foi acompanhada por imagens de mais de cem crachás de funcionários com suas identidades individuais obscurecidas. A carta foi postada no site de notícias sociais LIHKG, semelhante ao Reddit e popular entre os ativistas.

O desafio lançado à autoridade de Lam é visto como sinal do ressentimento profundo que deitou raízes na sociedade desde que ela tentou introduzir uma lei que permitiria a extradição de cidadãos de Hong Kong à China continental.

Lam suspendeu a proposta mais tarde, mas até agora se nega a tirá-la completamente de consideração. Protestos maiores estão planejados para o fim de semana, e os manifestantes estão lançando chamados por uma greve geral na segunda-feira (5).

Os protestos planejados ocorrem no momento em que Lam enfrenta pressão crescente para acalmar as manifestações, que vêm ficando mais violentas a cada semana que passa. Pequim manifestou seu apoio público ao governo de Hong Kong e à ação cada vez mais agressiva da polícia para retirar os manifestantes das ruas.

Conhecidos por proporcionarem estabilidade, benefícios garantidos e salários relativamente bons, os empregos no funcionalismo público são cobiçados em Hong Kong, sendo descritos como “a tigela de arroz de ferro”. Há mais de 180 mil funcionários públicos, desde carcereiros de prisões e fiscais de alimentos até bombeiros e controladores do tráfego aéreo, segundo o site do governo na internet.

O secretário-chefe Matthew Cheung, o segundo na hierarquia de Hong Kong, conversou com a imprensa local na sexta-feira pela manhã, dizendo que se um funcionário público de folga quiser participar de uma manifestação pública como cidadão individual, isso não será problema, mas ele “não pode tomar atitudes que contrariem a posição do governo e falar em nome do funcionalismo público”.

O código de conduta do funcionalismo público prevê que os funcionários “devem servir à executiva-chefe e ao governo que estiver no poder com lealdade total e da melhor maneira possível, independentemente de suas posições políticas pessoais”.

“Quaisquer atos que enfraqueçam o princípio da neutralidade política do funcionalismo público são completamente inaceitáveis”, disse um representante do governo de Hong Kong em comunicado para a imprensa na quinta-feira (1º), acrescentando que o governo vai acompanhar e punir qualquer violação das regras.

Segundo a declaração, o governo vem ouvindo as posições de servidores por meio de canais internos.

Na quinta-feira o senador republicano Marco Rubio, da Flórida (estados Unidos), e outros legisladores americanos escreveram uma carta ao presidente Donald Trump exortando-o a condenar os esforços da China para enfraquecer o alto grau de autonomia de Hong Kong.

A carta foi divulgada depois de a administração Trump ter orientado funcionários a manter uma reação comedida aos protestos em Hong Kong, por temer que possíveis declarações públicas em favor dos manifestantes atrapalhem os esforços dos EUA para chegar a um acordo comercial com a China.

Michael Ngan, um dos organizadores do protesto desta sexta-feira e funcionário público do Departamento de Trabalho de Hong Kong, disse em um programa de rádio online que vem sendo assediado por telefonemas obscenos de origem desconhecida. Indagado se ele receia falar publicamente sobre questões políticas, Ngan disse que acredita “ingenuamente” que isso não prejudicará sua carreira.

“Mesmo que prejudique, ainda vale abrir mão do meu futuro pelo destino da população de Hong Kong”, disse.

Tradução de Clara Allain

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