Sobre o arquivamento no caso Furnas

Sob o título “Inquérito e arquivamento no STF”, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.

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I – O FATO

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes arquivou o inquérito que trata das investigações sobre senador Aécio Neves (PSDB-MG) no caso de Furnas.

Na decisão, o ministro levou em conta um relatório da Polícia Federal (PF) que concluiu pela falta de provas da participação do parlamentar em um suposto esquema de corrupção na estatal do setor elétrico, subsidiária da Eletrobras.

II – O ARQUIVAMENTO E O HABEAS CORPUS DE OFICIO

Com relação ao inquérito policial, a opinio delicti cabe ao titular da ação penal e não àquele que se limita, simplesmente, a investigar o fato infringente da norma e que tenha sido o seu autor. Por isso mesmo não pode a autoridade que investiga ou o juiz determinar, de oficio, o arquivamento dos autos do inquérito.

Dispõe o artigo 17 do CPP que a autoridade policial não poderá mandar arquivar autos do inquérito policial. O pedido de arquivamento, nos crimes de ação penal pública, fica afeto ao órgão do Ministério Público. Somente ele pode requerer ao magistrado competente seja arquivado o inquérito e caso a autoridade judicial acolha as razões invocadas por ele, determina-lo-á. Do contrário, agirá em conformidade com o artigo 28 do CPP.

O juiz pode trancar inquérito ou ação penal em andamento concedendo habeas corpus ex officio com exigência do recurso ex officio ou obrigatório (artigo 574, I, do Código de Processo Penal).

É admissível que, tomando conhecimento da existência de alguma coação à liberdade de ir e vir de alguém, o juiz ou o tribunal determine a expedição de ordem de habeas corpus. Trata-se de providência que se harmoniza com o princípio da indisponibilidade da liberdade, sendo dever do magistrado zelar pela sua manutenção.

III – O ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO E O REGIMENTO INTERNO DO STF

É o que ocorre com a redação do artigo 231 do Regimento Interno, atualizado com a introdução da Emenda Regimental 44/2011, parágrafo quarto:

O Relator tem competência para determinar o arquivamento, quando o requerer o Procurador-Geral da República ou quando verificar: RISTF: art. 317 (AgR). CPP: art. 522 (arquivamento da queixa). Lei 8.038/1990: art. 3º, I (arquivar inquérito). a) a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; b) a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; c) que o fato narrado evidentemente não constitui crime; d) extinta a punibilidade do agente; ou e) ausência de indícios mínimos de autoria ou materialidade, nos casos em que forem descumpridos os prazos para a instrução do inquérito ou para oferecimento de denúncia.

Segundo o § 6º, o inquérito arquivado por falta de indícios mínimos de autoria ou materialidade poderá ser reaberto, caso surjam novos elementos (atualizado com a introdução da Emenda Regimental 44/2011).

Trata-se de um instrumento processual, de índole similar ao habeas corpus de oficio, já existente na legislação ordinária, que se coaduna com a proteção constitucional dada ao Supremo para resguardar preceitos fundamentais, dentre os quais o da liberdade, um direito fundamental.

O regimento interno regula as atividades internas de um órgão. É ato administrativo regulamentar para reger órgãos colegiados ou legislativos, como aduziu Roberto Rosas (Direito processual constitucional, 3ª edição, pág. 60).

O regimento interno distingue-se do regulamento da lei, porque neste o paradigma é a lei, que deve ser regulamentada em detalhes. O regimento não parte necessariamente da lei, apenas obedece a princípios constitucionais e legais, se os houver.

Rui Barbosa já afirmava sobre a eficácia jurídica da norma regimental: não há nenhuma diferença essencial entre a lei sob a expressão de regimento parlamentar e a lei sob a sua expressão de ato legislativo. Espécies de um só gênero, entre si não se distinguem uma da outra senão na origem de onde procedem, no modo como elaboram e na esfera onde têm de imperar; porque a lei é o regimento da nação, decretado pelo seu corpo de legisladores, e o regimento a lei de cada um dos ramos da legislatura por ele ditado a si mesmo(Comentários à Constituição Federal Brasileira, II/32).

O regimento interno estrutura os processos e sua competência, como já afirmava Castro Nunes(Teoria e prática do Poder Judiciário, capítulo II, n. 7).

Há no regimento interno do STF a aderência de um verdadeiro direito jurisprudencial.

Daí porque ser uma fonte de direito, como ensinaram Felipe Clemente de Diego (La jurisprudencia como Fuente del Derecho) e José Puig Brutau (La jurisprudência Fuente del Derecho).

O regimento poderá ser fonte de comandos jurídicos, fazendo surgir comandos e aplicação e desta o comando e conceito.

Daí a razão da legitimidade das normas do regimento interno.

Ensinou Paulino Ignacio Jacques (Introdução à ciência do direito, 2ª edição, pág. 244) que a ultraexaltação de Kantorowicz não era, pois, tão extrapolada, como tem sido apregoado; apenas desejava que os magistrados rompessem a camisa de força da dogmática jurídica, para que lograssem cumprir o seu dever, plenamente, ministrando boa justiça.

O Supremo Tribunal Federal, não é de hoje, já reconheceu a ele “um certo poder normativo mitigado”, como se viu na elaboração de seu Regimento.

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