'Sociedade civil está mundialmente ameaçada', diz ex-guerrilheiro alemão
Faz cerca de 20 anos que o alemão Lutz Taufer esteve pela primeira vez na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, em um país que até então só conhecia por meio da bossa nova e do filme “Orfeu Negro”.
“Foi um contraste gigante com o Departamento de Segurança Máxima”, lembra o ex-guerrilheiro, que à época ainda vivia os primeiros anos de liberdade após 20 encarcerados por sua atuação na facção RAF (Fração do Exército Vermelho, na sigla em alemão), mais conhecida no Brasil como Grupo Baader-Meinhof, um dos principais da luta armada de esquerda nos anos 1970.
Taufer, hoje com 74 anos, foi um dos seis guerrilheiros que participou da invasão da embaixada alemã em Estocolmo, na Suécia, em abril de 1975. O grupo fez 11 reféns e exigia a libertação de 26 companheiros presos na Alemanha Ocidental. Caso contrário, matariam um refém por hora.
Após a morte do primeiro, já estava claro que o governo do chanceler social-democrata Helmut Schmidt não iria negociar. Um segundo refém chegou a ser morto antes de uma explosão destruir parte do prédio, pondo fim à ação.
Taufer narra o episódio em seu livro “Atravessando Fronteiras”, que lançou neste sábado (28) na Flip, pela editora Autonomia Literária.
“A morte cruel de dois reféns é um crime injustificável”, afirmou o alemão, em entrevista à Folha, em um casarão colonial de Paraty.
Em uma tentativa de acerto de contas com o passado, Taufer rememora suas três fases de militância.
A estudantil, quando era aluno de psicologia na Universidade de Mannheim e membro do coletivo SPK (Coletivo de Pacientes Socialistas); a armada, em que atuou pela RAF durante cerca de um ano até ser preso; e o trabalho comunitário por dez anos em favelas do Rio, onde era conhecido pela alcunha de “caringo”, mistura de carioca e gringo.
“Cometemos erros”, diz ele, lembrando-se da RAF, “ao nos basearmos na ideia leninista de destruição do capitalismo pela violência. Nem sempre será sem violência, mas é preciso ter uma alternativa”. Para Taufer, “o principal problema da esquerda nos últimos 150 anos foi não ter apresentado um modelo econômico mais atraente”.
Ele vê com preocupação a ascensão de políticos com discurso nacionalista e de extrema direita na Europa.
“A sociedade civil está mundialmente ameaçada”, afirma, mencionando também o Brasil. “Aqui o problema não é ter aparecido o Bolsonaro, o problema é que precisamos saber discutir o Bolsonaro”, referindo-se ao candidato à Presidência pelo PSL.
Ao falar sobre os 20 anos na prisão, especialmente dos meses em que ficou sob regime de isolamento máximo, a voz de Taufer ainda falha.
“Meu problema nos ouvidos começou lá”, diz, apontando para os aparelhos auditivos que agora tem de usar. Ele descreve a sensação de estar em uma cela totalmente isolada como entorpecedora.
Quando os guardas ofereceram uma alternativa, Taufer não sabia o que era pior: seguir isolado ou assistir à televisão com outros três detentos.
O trio em questão era de ex-nazistas da SS, tropa de elite de Hitler, envolvidos diretamente no assassinato de prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz. “Essa experiência me tirou do sério”, diz Taufer, que era filho de um contador que se opôs ao regime nazista.
A prisão rendeu ainda uma tentativa de suicídio: Taufer cortou os pulsos em 1979 e foi deixado pelos guardas para sangrar até morrer. “Felizmente não é tão fácil se matar.”
Ao sair da prisão, trabalhou um tempo como padeiro até reencontrar um amigo, brasileiro que estudou na Alemanha e o fez vir ao Brasil. Aqui, ganhou a vida dando aulas de alemão e atuou com a ONG alemã Serviço de Paz Mundial em comunidades de São Gonçalo e do Rio.
“O pior não era a pobreza ou o vácuo cultural, mas o desperdício de jovens inteligentes, que não tinham uma escola de ensino médio por perto para estudar”, lamenta.
Novamente instalado na Alemanha, Taufer não esconde a saudade do Brasil. “O carioca é encantador, mas merece um pão melhor.