Suprema Corte americana dispensa quase 9.000 processos de deportação
O precedente aberto por um brasileiro levou a Suprema Corte americana a dispensar quase 9.000 casos de deportação baseados em uma notificação considerada irregular pela máxima instância judicial dos EUA.
Em julho e agosto, foram dispensados 8.559 processos envolvendo imigrantes que entraram na justiça para evitar serem enviados de volta a seus países de origem. Os dados são do escritório executivo de revisão de imigração e foram compilados pela agência Reuters.
O número representa um aumento de 181% em relação ao mesmo período de 2017, quando foram dispensados 3.046 processos. Também é o maior patamar de casos dispensados por mês na história.
A base legal para a apelação foi uma decisão tomada em junho pela mesma Suprema Corte e envolveu o mineiro Wescley Pereira, 38.
Os juízes decidiram que o governo americano não poderia enviar notificações para imigrantes comparecerem à audiência de deportação sem marcar dia e local para que esse encontro ocorresse, como aconteceu com o brasileiro.
Quando a notificação é emitida, congela a contagem do tempo que um imigrante ilegal está nos EUA. Com dez anos contínuos no país, seria possível pedir o cancelamento de remoção, mediante cumprimento de outras condições como pagamento de impostos, e requisitar a cidadania americana.
No caso de Pereira, ele estava havia seis anos nos EUA quando a notificação foi emitida sem data nem local fixados —as informações só foram enviadas quase 18 meses depois, e o caso só chegou a Justiça em março de 2013.
Amparados pela vitória de Wescley, advogados de imigração nos Estados Unidos começaram a entrar com apelações nos processos envolvendo seus clientes.
A situação era parecida: os imigrantes recebiam notificações sem data e horário para a audiência. A Suprema Corte, então, passou a dispensar casos com as mesmas características dos de Wescley.
Mas a onda de dispensas teve vida curta: em 31 de agosto, a corte de apelações de imigração determinou que emitir documentos sem data e hora poderia ser considerado válido.
Para isso, porém, que o imigrante deveria receber uma notificação subsequente para comparecer a uma audiência com os detalhes em falta, como um procedimento comum.
No entender do Departamento de Segurança Doméstica, a decisão da Suprema Corte não tinha o propósito de invalidar os procedimentos de remoção de imigrantes adotados pelo governo americano.
“Se interpretado de uma maneira muito favorável ao requerente, o impacto prático seria encerrar virtualmente todos os procedimentos de imigração”, indicou o departamento, referindo-se a um processo de San Diego.
Para o órgão, as apelações estavam baseadas em uma “interpretação errada” da decisão da Suprema Corte.
Depois da decisão envolvendo o mineiro, alguns imigrantes passaram a receber a informação incorreta, com datas e horários marcados para uma audiência que nunca ocorreu.
Em tese, o serviço de Alfândega e Proteção das Fronteiras dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês) precisa consultar o calendário das cortes de imigração antes de fixar uma data para a audiência. Mas a comunicação é falha, principalmente pelo grande volume de casos que os tribunais têm que julgar.
Por isso, a vitória de Wescley acabou inaugurando uma discussão sobre a capacidade do sistema judiciário americano de conseguir julgar todos os processos de remoção de imigrantes.
Há mais de 11 milhões de imigrantes ilegais no país, e as projeções indicam que poderia levar até 50 anos para que um processo seja julgado, com a atual estrutura das cortes de imigração.
A dispensa do processo não regulariza a situação do imigrante. Mas retira a ameaça de deportação iminente e dá tempo para que ele entre com ações legais para tentar se manter no país.
Ele pode, por exemplo, ingressar com um pedido de asilo ou mesmo buscar o reconhecimento de que reside nos EUA pelo período mínimo necessário para dar entrada no cancelamento de remoção.
O Departamento de Segurança Doméstica pode apelar de casos que são rejeitados ou pode reiniciar o procedimento de deportação, emitindo uma nova notificação para comparecimento.
Até o final de agosto, os advogados do governo recorreram de apenas 2.100 dos casos dispensados na esteira da decisão, segundo levantamento da agência Reuters.