Supremo vira sócio de Bolsonaro no caos institucional do Brasil
Em 13 de fevereiro deste ano, escrevi aqui que José Antonio Dias Toffoli vinha segurando os piores instintos durante tormenta em formação envolvendo o STF (Supremo Tribunal Federal) que preside. Com efeito, manteve várias pontes abertas no mundo político.
Naquele momento, senadores cochichavam sobre impeachment de ministros do STF e sussurravam sobre a “Lava-Toga”, uma CPI dedicada a bombardear o Judiciário. O bolsonarismo, ainda sem as décadas políticas de desgaste que acumula nessa distorção de tempo-espaço chamada Brasil, voltava a assanhar-se com ideias que acalentara durante a campanha —lembram-se do Supremo de 21 ministros sugerido pelo então candidato?
Eis que nesta semana vemos o próprio Toffoli acendendo pavios que podem levar a uma imponderável explosão da já esgarçadíssima tessitura institucional do país. Até em reação àqueles petardos iniciais, o presidente do STF chancelou censura e ativismo policial inaudito como forma de ação política no episódio da investigação sobre as fake news contra membros da corte.
A Procuradoria-Geral da República, por sua vez, achou por bem arquivar aquilo que poderia solicitar o arquivamento. Não é preciso ter doutorado em direito nem para ser presidente do STF, quanto mais para entender que o Judiciário é o principal perdedor desta pinimba.
Entrando em algum buraco de minhoca einsteiniano, recorro a um termo que cunhei em uma coluna no paleozoico 20 de fevereiro de 2016: a “morolização”. Como é óbvio e algo baratinho, tratava-se da moralização à la Sergio Moro, um risco que eu afirmava ser inerente ao protagonismo do STF por misturar ações importantes com personalismo.
Pois bem, o ciclo se completa. As batidas da PF de Alexandre de Moraes, a censura a reportagens envolvendo Toffoli e outras maquinações que virão só trarão vantagens para os operadores do caos no poder. Não passa despercebida a postagem que o filhão Eduardo “basta um cabo e um soldado” Bolsonaro fez sobre a disputa, prevendo a redução do “já baixo índice de credibilidade do STF”.
Mas o presidente não tem nada a ganhar com uma guerra aberta, em especial se ela vazar para dentro do Congresso. Como já se questionam os militares que lhe angariaram prestígio para compor o governo, a questão é se o mandatário de fato quer fazer algo além de cumprir a promessa de ver o circo pegar fogo, implodir “tudo o que está aí” —ainda que isso inclua toda a plateia, ou seja, nós.
Os resultados recentes exprimem esse talento para a destruição. A reforma da Previdência não passa nem pela CCJ, R$ 32 bilhões a menos de valor da Petrobras num piscar de olhos e a concessão provavelmente infrutífera aos caprichos dos caminhoneiros.
Bolsonaro adora comparar-se a Lula e nutre desprezo olímpico por FHC, mas deveria olhar como o tucano fez avançar sua agenda quando ainda tinha a popularidade no começo do seu primeiro mandato, em 1995.
Enfim, o presidente é o buraco negro que gera a distorção atual, como o PT antes dele, mas ganhou um aliado poderoso para a disrupção política do país no Supremo. A crise atual nem começou direito, e a próxima estação desse trem fantasma já está à vista: a discussão sobre a libertação de Lula pela Segunda Turma do STF.
Um conhecedor daquela câmara diz que está em formação uma maioria em favor do ex-presidente, o que alteraria todo o entendimento das coisas até aqui no caso. A turma irá reunir-se presencialmente em breve a pedido de Gilmar Mendes, ministro que não esconde de conhecidos o desconforto com a prisão do petista.
Lula livre é um movimento que não saiu do gueto cada vez mais obtuso da esquerda, mas como hipótese jurídica está na mesma mesa em que se analisa o fim da prisão em segunda instância, dentro de um escopo maior de interesses. Se ocorrer, será colocado à prova o poder virtual do bolsonarismo e também o do petismo.
Dois governadores contam que receberam a mesma avaliação de membros da cúpula das Forças Armadas: a exemplo do já histórico tuíte do general Villas Bôas em 2018, os militares não estão dispostos a bancar sem alertas antecipados o controle da balbúrdia social que creem ser inevitável no caso de soltura de Lula que tenha cheiro de casuísmo.
Os dois lados poderão querer medir forças nas ruas. A esta coluna, um general disse que os dois perderão se isso acontecer. Só isso ser conversado em pleno 2019 dá a medida do quão fora da curva estamos.