Telemedicina

— Olha, doutor, pesquisei tudo sobre meu caso no Google e só estou aqui por que quero ouvir uma segunda opinião.

— Ora, então vá procurar no Bing.

A anedota resume a tensão entre médicos e pacientes nesse momento de dissolução geral da autoridade da qual nem os médicos escapam. Consultar o “dr. Google” é, obviamente, um ato temerário. Mais alguns poucos anos, porém, e a tecnologia de saúde remota popularizará um diálogo bem mais disciplinado, confiável, útil e, aparentemente, ameaçador para a classe médica:
— Alexa, socorro, acho que estou tendo um ataque cardíaco.
— Coloque sua mão em mim. Sua pulsação e respiração estão um pouco aceleradas, mas o eletrocardiograma não tem alteração e a oxigenação do sangue é boa. Você tem queimação, dores no peito ou nos braços?
— Sem dor, mas estou suando muito.
— Chegue mais perto da câmera.
— Cor da pele e exame de fundo de olho normais. Sua ficha mostra que você está com 30 anos de idade, é atleta e não tem histórico pessoal nem familiar de problemas circulatórios. São desprezíveis as chances de você estar tendo um ataque cardíaco, mas não deixe de consultar seu médico na próxima oportunidade.

A evolução das tecnologias de assistência remota é rápida e irreversível. O Sistema Nacional de Saúde (NHS) da Grã-Bretanha acaba de anunciar que se associou a Amazon para permitir a Alexa, assistente digital da gigante de tecnologia, dar a seus donos, por meio de comandos de voz, acesso aos bancos oficiais de dados de saúde do país. 

A ideia, pioneira e ousada, é aliviar a pressão sobre os postos de atendimento, tirando dúvidas dos pacientes sobre casos simples e assistindo-os na tomada de decisão de recorrer ou não a um especialista. É só o começo. Logo Alexa, como no diálogo acima, vai ajudar a triar casos mais complexos. 
Médicos e pacientes se adaptam e se beneficiam do avanço tecnológico. O maior obstáculo é oferecido pelas corporações médicas, que tendem a reagir ao novo, antes de mais nada, como ameaça aos empregos e honorários dos profissionais da saúde. 

Comparado com o imenso potencial do uso médico dos assistentes digitais como Alexa, Google Home, Cortana, da Microsoft, e Siri, da Apple, o lançamento, no dia 8 de julho, de um serviço de telemedicina pela Amil, em colaboração com o hospital Albert Einstein, de São Paulo, foi um pequeno passo. 

Mas a iniciativa, destinada apenas a queixas de baixa complexidade, despertou enorme onda de resistência das federações, associações e conselhos médicos. O Conselho Federal de Medicina (CFM) desaprovou o serviço e ameaçou com “apuração e outras providências”. 

Não interessa a ninguém que a medicina seja exercida sem regulamento e a despeito de normas. Não é disso que se trata. Mas, claramente, no que diz respeito à telemedicina, a normatização está atrasando a popularização de uma solução testada, eficiente e barata, talhada para um país continente como o Brasil, com déficit agudo de profissionais nas regiões mais remotas e pobres. 

Um doente isolado no interior da Amazônia precisa, primordialmente, de um diagnóstico correto e, se for o caso, de um meio de transporte para o hospital mais próximo. Os brasileiros nessa situação se beneficiariam imensamente se os órgãos de classe apressassem o passo regulatório de modo a encurtar o abismo que separa o Brasil de países mais avançados no uso da telemedicina.

Japão, Canadá, Israel, Estados Unidos e China lideram a corrida do atendimento de saúde remoto a suas populações. Com uso de inteligência artificial e telemedicina, os sistemas de saúde daqueles países estão conseguindo diminuir o tamanho das filas nos prontos-socorros, liberando pessoal especializado e recursos escassos para os casos mais graves e, assim, encurtando o tempo de atendimento. O resultado é um maior número de vidas salvas. 

Nem nos países mais abertos ao progresso tecnológico a telemedicina objetiva substituir o profissional médico. Ao contrário, seu uso tem ajudado a aproximar os pacientes dos médicos certos e, assim, afastá-los da roleta-russa de palpites disponível nos doutores Google, Bing ou Yahoo!.

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