Tempo de ser pai, mãe e sujeito
Quanto tempo pais e mães devem gastar junto aos filhos? Pergunta recorrente que esbarra tanto no desejo de cada um quanto na forma como pensamos a parentalidade coletivamente.
Mães de sociedades tradicionais africanas, por exemplo, se queixam que, por antigos costumes, as avós de seus filhos tomam os netos para si como se fossem seus próprios filhos. Essas mães terão que esperar ter netos para poderem ocupar esse lugar. Em muitas famílias pobres do Brasil, crianças são deixadas sozinhas, correndo grande risco, porque as mães precisam trabalhar para sustentá-las. Nesse caso não há escolha possível.
A questão aqui é se podemos assumir nosso desejo de estar junto aos filhos diante de imperativos da cultura que têm colocado a parentalidade num lugar paradoxal: de um lado, idealizada, de outro, socialmente insustentável.
Daniel Jablonski, artista plástico e professor de história da arte contemporânea, em seu trabalho "O Sono Louco", nos brinda com uma discussão vertiginosa sobre a vigilância do tempo no capitalismo. Em sua performance, que envolve o estudo da história dos relógios de ponto, da teoria dos sonhos de Freud e de sua experiência pessoal com a dificuldade de acordar na hora marcada, somos sensibilizados com humor e inteligência para questões como a comercialização do tempo, as patologias sociais e a assunção do desejo. Esse trabalho e outros igualmente instigantes podem ser encontrados no site que leva o nome do artista.
Além das engrenagens do capitalismo, que nos afastam do convívio social e familiar, temos a revolução virtual, que nos abduziu para dentro da caixinha preta. Incapazes de resistir ao canto da sereia das redes virtuais, adultos têm tido enorme dificuldade em regular o tempo de uso dos aparelhos tanto para si mesmos quanto para os filhos. No plano da virtualidade o objetivo é claro: os aparelhos são feitos para que fiquemos o maior tempo possível online, a fim de rastrear nossos objetos de desejo e fornecer magicamente as opções de onde comprá-los. Nosso tempo ao lado dos filhos e na vida social escoa em nome da produção e do consumo.
Abrir mão do tempo de trabalho para realizar a prosaica tarefa de ir buscar os filhos na escola --para quem consegue fazê-lo— pode soar como confronto à mentalidade do "tempo é dinheiro". Escolhas similares recolhem opiniões que vão da falta de profissionalismo ao reconhecimento de que o trabalho deveria estar a favor da vida, e não o contrário.
Assumir uma postura firme junto às crianças, restringindo o uso da internet —e o decorrente empuxo ao consumo— aparece também como gesto radical e tarefa inglória. Tem sido difícil aos pais bancarem essa decisão, diante da observação e do argumento de que "os outros pais deixam".
Que outros pais? As crianças do Vale do Silício, filhos dos inventores desses aparelhos, são proibidas de ter acesso a eles antes dos 14. Os idealizadores da internet e seus aplicativos não desejam arriscar que seus filhos sejam cobaias dos produtos que vendem para os filhos dos outros, pois os resultados da exposição excessiva a conteúdos inapropriados têm sido, em muitos casos, o isolamento social, a depressão e o suicídio. Os criadores da era digital colocam os filhos em escolas que usam a velha e boa lousa verde com giz.
Se quisermos passar mais tempo junto aos filhos, teremos que repensar nossos valores em termos coletivos e pessoais. Ser mais sujeito do que massa de trabalho e consumidor é a utopia dos nossos tempos.