Todos sabem que Robben cortará para a esquerda, mas ninguém consegue pará-lo
Marcel Schmelzer passou horas analisando vídeos, em busca de algum sinal, alguma pista.
Schmelzer, veterano lateral esquerdo do Borussia Dortmund, já passou por esse ritual 16 vezes nos últimos 10 anos, e se tornou um especialista sem paralelos nesse ramo. Ele assistiu a numerosos vídeos. Sua esperança era encontrar alguma coisa, qualquer coisa, que servisse como alerta antecipado, que lhe desse alguma vantagem na largada.
"Tentei encontrar um padrão", ele disse. Mas até agora, seus esforços não deram resultado. Mesmo depois de todos esses anos, de tantas horas de estudo, de tantas partidas, o lateral esquerdo que conhece Arjen Robben melhor do que qualquer outro futebolista não consegue determinar quando, exatamente, o atacante vai cortar para dentro.
Para quem vê de fora, pode parecer que existem poucos jogadores mais previsíveis do que Robben, no mundo do futebol. Ele executou sua jogada predileta tantas vezes, desde que começou no Bayern de Munique 10 anos atrás, que ela se tornou conhecida pelo seu nome - não só na Alemanha mas também na França, onde cortar da ponta direita para chutar em gol com o pé esquerdo é uma jogada conhecida como "Le Robben". O jogador reconheceu no mês passado que se orgulha por uma jogada levar seu nome.
O mais notável, porém, é que sua principal jogada não tenha perdido qualquer parte de seu poder; a única surpresa, a esta altura, é que ele parece reter sua capacidade de surpreender.
Robben, afinal, está a mais de meio caminho daquela que pode ser sua temporada final em Munique. Ele talvez faça sua participação final na Champions League pelo clube esta semana, caso o Bayern não consiga superar o Liverpool em uma partida muito equilibrada de oitavas de final que será disputada na Allianz Arena de Munique quarta-feira.
Seu período na Alemanha foi um sucesso impressionante. Ele conquistou seis títulos consecutivos na Bundesliga e diversas copas nacionais, e marcou o gol da vitória na decisão da Champions League em 2013. E sua carreira é admiravelmente longa. Robben tem 35 anos. Ele foi contratado por José Mourinho para o Chelsea 15 anos atrás, e há 12 anos se transferiu ao Real Madrid.
E Robben continua a ser peça importante de uma das grandes potências do futebol mundial, um atacante genuinamente ameaçador, com um toque de bola elegante e velocidade espantosa. Se Lionel Messi e Cristiano Ronaldo são os astros da era atual do futebol, Robben é um dos membros mais impressionantes do elenco de apoio: instantaneamente reconhecível, e presença constante no principal palco do futebol mundial, a jogada que agora leva o nome de Robben já foi vista muitas vezes nas rodadas decisivas da Champions League.
Ela é tão conhecida que quase não precisa se descrita. Robben avança em alta velocidade pela ponta direita, com um braço estendido para ajudar no equilíbrio, a cabeça inclinada para trás, as pernas em movimento acelerado. Em seguida, ao se aproximar da grande área, ele finta para a direita, abaixa o ombro e em seguida muda a perna de apoio e desliza para a esquerda. Robben jamais perde o controle da bola; o marcador fica desnorteado, caçando sombras.
Robben olha para o gol e dá um chute de efeito, na diagonal do goleiro. Ele nem sempre marca, claro, mas isso acontece com frequência suficiente para que Schmelzer não seja o único adversário a dedicar tempo considerável a tentar descobrir como pará-lo.
E é esse o mistério. Robben vem dando seu corte para a esquerda há anos. A intenção dele é aparente para todos. Os defensores sabem exatamente o que ele tem em mente, precisamente o que está por acontecer, mas continuam impotentes para impedir.
Para Robben, dois fatores explicam seu sucesso continuado . Uma das chaves é o timing, ele disse em uma entrevista a diversos jornais ingleses no mês passado: "Se você faz a jogada na hora certa, ela ainda surpreende os defensores". E ele já havia declarado anteriormente que variação é igualmente importante: "Fazer a mesma coisa repetidamente, sem variação, não funciona", ele disse. "Se você nunca passa, dribla ou corta para o lado de fora, cortar para dentro deixa de funcionar".
Para Schmelzer - que já encarou Robben face a face, em competição direta, mais do que qualquer outro adversário -, há ainda outro fator. Ele percebeu que, nos últimos anos, Robben vem recorrendo mais à sua jogada favorita, usando a ponta como disfarce para "abrir o caminho para perto da área". A jogada ainda funciona, porém, "porque ele reconhece quando você vai bloquear sua passagem, e reage apropriadamente; é isso que faz dele um jogador especial".
É essa capacidade de improvisar que Ricardo Rodriguez também reconheceu. Rodriguez, lateral suíço que hoje defende o Milan, conhece Robben quase tão bem quanto Schmelzer. De acordo com a Gracenote Sports, ele enfrentou o holandês 11 vezes em sua carreira, nas suas passagens pelo Wolfsburg e pelo Zurich.
"Ele é muito rápido, especialmente com a bola", disse Rodriguez. "Isso torna muito difícil pará-lo. Ele é terrivelmente rápido ao cortar para dentro. A única maneira de tentar detê-lo é marcá-lo de bem perto. Se você não faz isso, ele vai causar estrago".
Existe uma razão para tanto. Em 2010, um cientista cognitivo chamado Shanti Ganesh, da Universidade Radboud, na Holanda, conduziu um estudo sobre o movimento de Robben. Ele determinou que "Robben se move um pouco mais rápido que o conhecimento consciente". O cérebro de um defensor, disse Ganesh, inconscientemente segue as fintas de Robben, mesmo que o jogador saiba que elas não passam de fintas. E no tempo necessário para retificar o erro, Robben - como ele pretendia fazer, e como todos sabem que ele pretendia fazer - corta para dentro e chuta em gol. "O jogador ainda pode se corrigir", disse Ganesh, "mas isso sempre vai acontecer uma fração de segundo mais tarde do que seria necessário".
É uma teoria que coincide com um estudo empírico conduzido por Wendell, lateral esquerdo brasileiro do Bayer Leverkusen. Ele já enfrentou Robben 10 vezes desde que se transferiu ao futebol alemão, o que o deixa atrás apenas de Schmelzer e Rodriguez entre os marcadores diretos do holandês.
"Normalmente é a mesma jogada, mas é exatamente a jogada que estamos cansados de ver, e de correr atrás, sem tomar a bola", ele disse. "Deve ser algo que ele faz. Talvez ele espere pelo último momento, não sei. Na maioria das vezes, tento esperar que ele comece seu movimento, para tentar ter chance maior de tomar a bola. Se não espero, não tenho chance. Ele vai driblar e me deixar para trás".
Como Schmeltzer, Wendell já dedicou mais tempo do que gostaria a assistir a vídeos de jogadas de Robben. Como Schmelzer, ele recorda treinos em dias anteriores a jogos com o Bayern no qual seu time trabalhou em como se defender contra o holandês: o perigo que ele causa é tamanho que só pode ser enfrentado coletivamente.
O Borussia Dortmund adota abordagem semelhante. "Você precisa da cobertura de seus companheiros", disse Schmelzer. "Precisamos ser honestos: não dá para mantê-lo fora do jogo pelos 90 minutos. Jürgen Klopp sempre nos ensinava que o problema não está em perder o duelo, mas em não ter cobertura".
Quando Schmelzer decidia tentar um carrinho, ele confiava em Mats Hummels, o zagueiro central do time, e no médio volante Sven Bender para chegar na cobertura. E isso nem sempre bastava: Robben tampouco age sozinho, e podia sempre acionar Philipp Lahm ou, mais tarde, Joshua Kimmich, avançando pela ponta direita para receber a bola. Schmelzer também precisava estar consciente disso.
Determinar quando ele cortaria para dentro e quando ele estava apenas ameaçando fazê-lo foi sempre o desafio. Mesmo depois de tantos anos, os adversários não conseguem adivinhar quando a jogada vai acontecer. Eles já a viram antes, e no entanto, a cada vez que acontece, a jogada parece nova. Mesmo que eles estudem os vídeos, que marquem de perto, que tenham cobertura.
Se nada disso adiantar, disse Wendell, há um último recurso: "Tento recuperar a bola", ele disse. "Se não consigo, tenho de fazer uma falta". É é quando isso falha —como acontece frequentemente—, é quando ele escapa da falta e desaparece repentinamente que Arjen Robben faz o que vem fazendo há 15 anos, faz o que sempre faz, e corta para dentro para arrematar.