Um procurador discreto
Ele não virou boneco inflável. Foi, sim, o Adam Schiff, interpretado pelo ator Steven Hill na série "Law & Order". Sem o estrelismo dos promotores de hoje, Robert Morgenthau, district attorney de Manhattan por 45 anos, combateu discretamente a corrupção de políticos e empresários brasileiros que operaram em Nova York.
No início dos anos 2000, Morgenthau foi engrenagem que fez movimentar a embrião da Lava Jato: o caso Banestado. Por obra do promotor, que então tinha mais de 80 anos (nasceu em 1919), o sigilo de empresas brasileiras e offshores de fachada operada por doleiros nos Estados Unidos foram quebrados.
Os dados obtidos pelo promotor americano, que morreu a dez dias de completar 100 anos, no último dia 21 de julho, abasteceram a então incipiente Vara de Lavagem de Curitiba. Por muitos anos, um engenhoso esquema de evasão de divisas funcionara no Brasil.
Operando por meio de laranjas e contas CC5 (contas em moeda nacional mantidas no país por residentes no exterior), bilhões de reais foram remetidos ilegalmente ao exterior a partir dos anos 1990. No centro dessa operação estava Alberto Youssef, que depois viria a ser delator da Lava Jato.
Por conta da colaboração com Morgenthau, o Brasil conseguiu repatriar (uma novidade então, em 2007, mas que viria a ser uma marca da colaboração internacional da Lava Jato) US$ 1,6 milhão (R$ 6,10 milhões, na cotação atual).
Naquele mesmo ano, o promotor americano, um avoado em questões pessoais (a ponto de ir ao trabalho calçando um sapato marrom e outro preto), mas que possuía obsessão por detalhes das operações criminais, indiciou o ex-prefeito Paulo Maluf por suspeita de desvios de US$ 11, 6 milhões (R$ 44,2, em cotação atual). O dinheiro, segundo a acusação realizada na época, antes de ser remetido para as Ilhas Jersey, um paraíso fiscal, passou pelo sistema bancário de Nova York.
“Esse caso é de uma corrupção em escala colossal. Não vamos nos tornar uma Cayman (paraíso fiscal no Caribe) no Hudson (rio que corta Manhattan)”, disse o promotor sobre o caso Maluf, segundo noticiou em 9 de março de 2007 o jornal The New York Times.
Morgenthau, sem exposições em Power Point ou polêmicas, enfrentou a máfia barra-pesada, aquela dos filmes, a máquina política americana, lavadores internacionais, obtendo uma taxa de condenação de força-tarefa.