Uso de Facebook fez aumentar ataques a refugiados na Alemanha, diz pesquisa
Quando se pergunta a moradores de Altena porque Dirk Denkhaus, um jovem aspirante a bombeiro que não era visto como perigoso nem politizado, invadiu o sótão de um abrigo para refugiados e tentou atear fogo ao imóvel, eles apresentam um catálogo de problemas já familiares.
Essa pequena cidade ribeirinha vem encolhendo, e sua economia está em declínio, eles dizem, deixando os jovens da cidade entediados e desiludidos. Embora a maioria dos moradores tivesse apoiado a decisão do prefeito de aceitar um contingente adicional de refugiados, alguns se sentiram desorientados. A política dos extremos está em alta.
Mas as pessoas frequentemente mencionam outro fator que não é comumente associado à onda de violência contra refugiados na Alemanha: o Facebook.
Todo o mundo em Altena já viu rumores no Facebook que apresentam os refugiados como uma ameaça. As pessoas já se depararam com discurso de ódio racista em páginas locais, formando um contraste chocante com os espaços públicos de Altena, onde as pessoas acenam cordialmente às famílias de refugiados.
Muitas pessoas aqui desconfiam que Denkhaus tenha se isolado em um mundo online de medo e raiva que ajudou a levá-lo a cometer violência. Foi o que promotores argumentaram mais tarde, com base em dados encontrados em seu telefone.
Isso pode ser mais que mera especulação. A pequena Altena é exemplo de um fenômeno vislumbrado há muito tempo por pesquisadores que estudam o Facebook: a plataforma torna comunidades mais dispostas a cometer violência racial. E agora a cidade é um entre mais de 3.000 pontos de dados em um estudo que tentou comprovar esse argumento.
Karsten Müller e Carlo Schwarz, da Universidade de Warwick, analisaram todos os ataques contra refugiados cometidos na Alemanha em um período de dois anos, 3.335 ao todo. Em cada um dos casos, analisaram a comunidade local envolvida, levando em conta todas as variáveis que pareciam relevantes. Poder aquisitivo. Características demográficas. Apoio à política de extrema direita. Vendas de jornais. Número de refugiados. Histórico de crimes de ódio. Número de protestos.
Um elemento se destacou. As cidades onde o uso do Facebook era acima da média, como Altena, apresentavam mais ataques a refugiados. Isso foi constatado em virtualmente qualquer tipo de comunidade —cidade grande ou pequena, próspera ou não, paraíso liberal ou reduto da extrema direita—, sugerindo que essa conexão se aplica universalmente.
O grande volume de dados colhidos convergiu para apontar para uma estatística espantosa: em todo lugar onde o uso per capita do Facebook fica acima do desvio padrão da média nacional, os ataques contra refugiados aumentam cerca de 50%.
Os pesquisadores estimaram em uma entrevista que, em todo o país, esse efeito foi o impulso por trás de um décimo de toda a violência contra refugiados.
O aumento de violência não tem correlação com o uso geral da internet ou outros fatores relacionados; a questão não era a internet como plataforma aberta de mobilização ou comunicação. É uma questão ligada especificamente ao Facebook.
Fomos a Altena e outras cidades alemãs para entender cada passo desde o feed de notícias do site, desenvolvido por algoritmos, até o ataque no mundo real que, sem o Facebook talvez não aconteceria.
O objetivo foi encontrar pistas que mostrem a maneira sutil, porém profunda, que as redes sociais estão alterando a sociedade.
Diferenciando o certo do errado
Quando os refugiados chegaram, tantos habitantes locais se ofereceram para ajudar que Anette Wesemann, que dirige o centro de integração de refugiados de Altena, não conseguiu dar conta. As famílias sírias ou afegãs eram cercadas por comitivas de voluntários que as ensinavam sobre a vida na Alemanha e a língua alemã.
“Foi realmente comovente”, disse Wesemann.
Mas, quando ela criou uma página no Facebook para organizar eventos com voluntários e campanhas de coleta de alimentos, a página se encheu de discursos de ódio contra refugiados com o qual ela não se deparara fora da rede.
Alguns posts pareciam vir de pessoas de fora da cidade, às quais se uniram alguns poucos habitantes. Com o tempo o ódio deles contagiou a página e passou a dominá-la.
Quando foi informada sobre a pesquisa que vinculou o Facebook à violência contra refugiados, Wesemann disse: “Eu acreditaria nisso imediatamente”.
Segundo os pesquisadores, as ligações são indiretas, mas começam com o algoritmo que determina o newsfeed de cada usuário.
Esse algoritmo é construído em torno de uma missão principal: promover conteúdos que maximizem o engajamento dos usuários. Estudos já constataram que posts que suscitam emoções negativas e primais, como raiva e medo, têm o melhor desempenho, e por essa razão se multiplicam.
É assim que o sentimento anti-refugiados –que soma o medo de transformações sociais com palavras de ordem do tipo “nós contra eles”, duas forças poderosas no algoritmo— podem parecer especialmente comuns no Facebook, mesmo numa cidade favorável a refugiados, como é o caso de Altena.
Mas, mesmo que apenas uma minoria de usuários expresse opiniões veementes contra refugiados, a partir do momento em que essas posições dominam o newsfeed, isso pode ter consequências para todos.
As pessoas instintivamente seguem as normas sociais de sua comunidade, que normalmente constituem um freio aos maus comportamentos. Isso requer intuir o que as pessoas à nossa volta acreditam, algo que fazemos graças a sinais sociais subconscientes, segundo pesquisa da psicóloga social Betsy Paluck, da Universidade Princeton.
O Facebook desregula esse processo. Ele nos isola das vozes moderadoras ou figuras de autoridade, nos canaliza para grupos que pensam como nós e, por meio de seu algoritmo, promove conteúdos que mobilizam nossas emoções negativas.
Por exemplo, seria razoável, mas incorreto, se um usuário do Facebook em Altena concluísse que a maioria de seus vizinhos era hostil a refugiados.
“A pessoa pode ter a impressão de que a comunidade como um todo é a favor da violência”, disse Paluck. “E isso a leva a pensar que, se tomar uma atitude concreta, ela não estará agindo sozinha.”
Normas sociais distorcidas
Segundo os pesquisadores da Universidade de Warwick, esses ataques possivelmente representem apenas a ponta de um iceberg muito maior.
Eles acreditam que cada pessoa incentivada a cometer violência é sinal de uma comunidade que, como um todo, tornou-se mais hostil a refugiados. O efeito será mais sutil para a maioria dos usuários, mas, pelo fato de se manifestar mais amplamente, talvez cause maiores consequências.
Traunstein, uma cidade nas montanhas da Baviera, é muito diferente de Altena segundo a maioria dos quesitos. Sua economia turística é próspera. Os jovens da cidade são ativos na comunidade. Embora a maioria da população tenda a ser liberal, a região que a cerca é solidamente de centro-direita.
Porém, assim como em Altena, o uso do Facebook e a os índices de violência contra refugiados são especialmente altos em Traunstein. Pode ser um indício de algo que transcende algumas figuras justiceiras isoladas?
Procuramos falar com um tipo particular de usuário do Facebook, pessoas conhecidas por pesquisadores como superpostadoras, que exemplificariam as maneiras como o Facebook pode levar uma comunidade a tornar-se cada vez mais hostil a pessoas de fora.
Rolf Wasserman, artista cujo estúdio dá para a pitoresca praça central de Traunstein, não é politicamente influente em qualquer sentido tradicional do termo. Embora seja conservador, ele está longe de ser extremista. Mas é furiosamente ativo no Facebook.
Ele posta um fluxo constante de rumores, colunas estridentes de opinião e notícias de crimes cometidos por refugiados. Nenhum de seus posts chega a constituir discurso de ódio ou fake news, mas, vistos em conjunto, eles retratam a Alemanha como estando invadida por estrangeiros perigosos.
“No Facebook é possível chegar até pessoas que não são altamente politizadas, levando informações a elas”, ele disse. “No Facebook, podemos formar a visão política das pessoas.”
Segundo o cientista social Andrew Guess, da Universidade Princeton, os superpostadores tendem a “ter opiniões mais firmes, ser mais extremos, mais engajados, mais tudo”.
Quando os usuários mais casuais abrem o Facebook, muitas vezes se deparam com um mundo moldado por superpostadores como Wasserman. A visão de mundo exagerada dos superspostadores funciona bem com o algoritmo da rede, deixando-os dominar os feeds de notícias coletivamente –e muitas vezes sem seu próprio conhecimento.
“Há algo de especial no Facebook”, disse Paluck. “Se você acaba ficando muito tempo no feed, você vira influente. É diferente da vida real.”
Sem o Facebook, a violência diminui
É possível que o Facebook realmente distorça as relações sociais ao ponto de levar à violência? Os pesquisadores da Universidade de Warwick testaram suas conclusões, examinando cada caso de queda da conexão com a internet por um tempo importante ocorrido durante o período coberto por sua pesquisa.
A infraestrutura de internet na Alemanha tende a ser localizada, de modo que as quedas de conexão são isoladas, mas comuns. De fato, sempre que o acesso à internet era interrompido numa área de alto uso do Facebook, os ataques a refugiados diminuíam significativamente.
E diminuíam no mesmo índice em que o uso intensivo do Facebook intensifica a violência. A queda na violência não se verificou em áreas de alto uso da internet, mas uso mediano do Facebook, fato que sugere que a queda esteja relacionada especificamente às redes sociais.
Na primavera deste ano, a internet ficou fora do ar por vários dias ou semanas, dependendo do quarteirão, em Schmargendorf, subúrbio de classe média de Berlim.
Perguntada sobre como a vida mudou sem a internet, Stefania Simonutti agitou os braços e arregalou os olhos, como se estivesse gritando.
“O mundo encolheu, muita coisa mudou”, disse ela, que comanda uma sorveteria com seu marido e filho mais velho. Ela contou que perdeu o contato com seus parentes na Itália, mas ficou mais aflita por ter perdido acesso a notícias, que ela recebe apenas das redes sociais, principalmente o Facebook.
“Muita gente mente e falsifica coisas nos jornais”, ela disse, fazendo alusões sombrias a questões de guerra e doenças. “Mas com a internet, posso decidir por mim mesma no que vou acreditar ou não.”
Esperanza Muñoz, colombiana que se mudou para a Alemanha nos anos 1980, achou a fase sem acesso à internet relaxante. Ela passou mais tempo conversando com seus vizinhos e acompanhou as notícias com menos frequência.
“As redes sociais são uma ilusão”, ela disse.
Sua filha, a estudante de medicina Laura Selke, disse que os acontecimentos mundiais pareceram menos estressantes durante a fase sem internet.
“Quando as notícias são difundidas no Facebook, ficam mais provocantes”, ela comentou.
Laura não tinha se dado conta de quanta ansiedade as redes sociais lhe provocam até que ela passou alguns dias sem elas.
“Foi realmente muito confortável, muito agradável”, ela disse.
Muñoz acrescentou que as comunidades do Facebook na Colômbia, seu país de origem, parecem tender ainda mais a difundir raiva e caracterizar-se por bolhas de filtro.
“Era realmente como se houvesse apenas uma opinião”, ela disse, descrevendo seu feed durante as eleições recentes na Colômbia. “Somos informados em apenas uma direção. Isso realmente não é bom.”
Tudo isso aponta para o que especialmente consideram ser uma das lições mais importantes do estudo da Universidade de Warwick. Se o Facebook pode ser vinculado a centenas de ataques mesmo na Alemanha, seus efeitos podem ser muito mais graves em países como a Colômbia, com instituições mais fracas, redes sociais menos regulamentadas e um histórico mais imediato de violência política.
“As pessoas não diriam essas coisas verbalmente, elas mesmas”, disse Muñoz, aludindo ao rancor que viu emanando de usuários colombianos do Facebook. “Mas compartilhar isso online é fácil para elas.”