“Vejo as empresas portuguesas com a preocupação de pensar a tecnologia como um enabler de crescimento”
O mercado português está a crescer e a transformação para a cloud é cada vez mais evidente para a Microsoft Portugal, que já faz mais de 50% da sua faturação nesta área. Paula Panarra, General Manager da Microsoft Portugal, partilhou em entrevista ao SAPO TEK a visão da empresa e respondeu às perguntas sobre o mercado, parcerias, concorrência e desenvolvimento tecnológico.
Falámos de projetos e do que os clientes precisam, e também da administração pública, de mudanças culturais e da importância de ultrapassar silos e cooperar. Na conversa foram abordados outros temas, como a necessidade de reforçar as competências dos recursos humanos e o papel dos centros de competências.
SAPO TEK: A Paula Panarra assumiu a direção da Microsoft Portugal há dois anos. Como vê a evolução do mercado e da empresa em Portugal?
Paula Panarra: Eu já estou na Microsoft desde 2011, já é algum tempo, e esse tempo permitiu-me ver um bocadinho o que foi a transformação da própria empresa. Não tenho a mínima dúvida que hoje trabalho numa empresa diferente da empresa a que me juntei. Quer do ponto de vista de modelo de negócio, que estava a começar nessa altura, quer do ponto de vista cultural. Quando cheguei à Microsoft, há oito anos, eram os primeiros discursos do [Steve] Ballmer, ainda na altura sobre a Microsoft ser uma empresa de serviços e clientes. Eram os primeiros passos para aquilo que eram os cloud services. Ainda nem sabíamos muito bem o que aquilo ia ser nem como é que o íamos fazer. Hoje, e sem poder dar muitos dados, posso dizer que fechámos o ano fiscal a faturar mais de 50% já em cloud. Nós já transformámos aquilo que é a nossa receita, mais de metade é prestação de serviço – como eu costumo dizer – versus a venda de uma licença.
SAPO TEK: Isso são números de Portugal?
Paula Panarra: Números de Portugal, na subsidiária portuguesa. E isto é um tipo de inflexão superimportante para aquilo que é, na verdade, a mudança cultural, organizacional e de abordagem ao mercado, que nos compete agora fazer. Eu costumo dizer que a partir do momento em que passámos esse ponto, já passámos a ser uma empresa de cloud. Portanto, agora temos que nos comportar como uma organização de cloud, com a capacidade de fazer a jornada de cliente de serviço e não de venda de bem. E isso precisa de uma mudança cultural, de mindset enorme, que é um bocadinho o caminho e a jornada que temos estado a fazer.
Nós temos tido o privilégio de ser market makers e temos estado, nós próprios, ao longo destes últimos três/quatro anos, a fazer o trabalho de fundo, a maratona de evangelizar o mercado para o que é a cloud, o que são estes novos formatos, estas novas formas de abordar a tecnologia. Foi muito difícil no princípio, as empresas portuguesas eram muito resistentes a estes novos modelos. E tocava as pessoas que receavam, de alguma forma, o que é que era o futuro da sua profissão, até às questões de fundo de negócio, de privacidade, segurança e destes novos modelos – «o que é que isto ia significar para a minha empresa». E é muito bom ver como, hoje em dia, eu tenho clientes que me ligam e dizem: «eu preciso que venham cá porque já percebi que para estar seguro e ter isto bem resolvido, tenho de ir para a cloud e aqui a minha gente não está a querer, preciso que venham cá perguntar porquê e explicar porquê». O que é um passo imenso, mas que eu acho que, de facto, resulta do trabalho que nós – e evidentemente todo o nosso ecossistema de parceiros – tem estado a fazer naquilo que é a evangelização das empresas em Portugal. Portanto, nós temos estado a crescer, mesmo nos tempos de mais contenção, se calhar porque temos estado a procurar trazer valor com estes novos serviços, para modernizar as empresas portuguesas.
SAPO TEK: Essa modernização das empresas portuguesas, como disse, foi difícil, ainda não é fácil. Fala-se muito da transformação digital mas há poucas que estão a fazer, de facto, a jornada. É essa a perspetiva que têm?
Paula Panarra: Eu acho que estamos numa fase em que a maioria das empresas ultrapassou o caminho da eficiência. Vejo isto um bocadinho, se quiseres, em todos os setores. Foram anos difíceis, em que as empresas estiveram a reajustar aquilo que era a sua estrutura de custo e receita. E não são alturas iguais às de investimento para desenvolvimento, quanto muito há investimento para criar essa otimização e essa eficiência. Não é isso que eu vejo hoje. Eu hoje vejo as empresas portuguesas com a preocupação de pensar a tecnologia como um enabler de crescimento. E isso é um sítio muito mais divertido para trabalhar, onde surgem projetos muito mais inovadores e estão, de facto, a começar a pensá-lo de uma forma mais integrada. Portanto, o que nós vemos é empresas de várias dimensões a fazerem o pensamento: «O que é que é modernizar um posto de trabalho na minha empresa? O que é que otimizar o end-to-end das operações logísticas? O que é que é o formato que eu tenho hoje de gestão dos clientes, dos fornecedores, a minha presença digital, a minha presença online, a minha presença em mercados exportadores – como é que eu estou a fazer esta interação? Como é que eu estou a otimizar as minhas equipas de field?» É uma das áreas que, nos últimos meses, mais tem surgido. Como fatores diferenciadores de prestação de serviços, se quiseres. Por isso é que eu digo que hoje o tipo de projetos que nos estão a ser pedidos são muito mais virados para o negócio e muito mais «como é que eu posso usar a tecnologia para criar um diferenciador do meu negócio e potenciar o meu negócio, agora que já equilibrei a dimensão do custo/receita?»
SAPO TEK: E esse é o caminho certo, é a lógica ou o pensamento certo para as empresas?
Paula Panarra: E esse é o caminho certo, sem dúvida. Eu acho que nós temos empresas, hoje em Portugal, a servirem para o mundo – e não só as das novas tecnologias, não são só as nativas digitais, há muitos negócios que conseguiram transformar o seu core e servir muito o mercado internacional. E, hoje, o diferenciador passa, acima de tudo, pelo serviço que prestam. Se forem negócios mais de consumo, pela diferenciação nas experiências que criam, se forem negócios mais empresariais cada vez mais é o serviço pós-venda, é o serviço de acompanhamento, é o serviço de preditiva, que vai fazer a diferença. Vou-te dar um exemplo de um setor, que nós dávamos um bocadinho por condenado – aliás, até nos custou, mas basicamente abandonámos de há uns anos para cá –, que era o setor construtor. Porque, todos sabemos o que aconteceu: acabadas as grandes obras pública, as construtoras portuguesas depararam-se com a dificuldade de escala e a dificuldade em reestruturar. Nós estamos, neste momento, a fazer trabalho de fundo de transformação com duas construtoras – das que conseguiram manter-se passada esta fase, fizeram pequenas aquisições e juntaram-se em grupos maiores, diversificaram o tipo de mercado e de áreas que estão a abordar. E têm, neste momento, a dor de «eu preciso que a tecnologia me ajude a tornar-me numa empresa do século XXI, porque eu já tenho outra vez negócio, mas agora preciso de profissionalizar as pessoas, os processos, a analítica, as operações, a gestão dos meus clientes, dos meus fornecedores». Portanto, estamos a fazer projetos de transformação digital end-to-end com duas construtoras.
SAPO TEK: Nestes casos, a Microsoft é uma empresa de serviços, mas também acaba por ser um pouco uma consultora nestes processos de transformação. É uma mudança também muito grande? Na verdade também já faziam isso quando vendiam licenças de um software…
Paula Panarra: Nós já fazíamos. A diferença é que hoje estamos a fazer mais trabalho deste, de pensamento estratégico em conjunto com os clientes. Não escondo que a maioria das grandes empresas portuguesas opta por uma das grandes consultoras para fazer esse trabalho e nós trabalhamos hoje com todas essas consultoras no mercado, que se aperceberam – e essa é um bocadinho a aproximação que tem acontecido – que também precisam de um braço tecnológico que se estende àquilo que dizem que é preciso acontecer. Ou seja, cada vez menos o trabalho dessas consultoras passa por produzir o powerpoint do desenho estratégico da empresa e passa muito mais por trazer depois a materialização e como é que esta estratégia se pode executar e aterrar. Porque eu acho que essa é a diferença para os líderes de hoje. É que no passado se alguém pensasse no mercado e desse umas noções de estratégia depois como executar e operacionalizar sabiam eles porque conheciam muito bem o negócio, e hoje não sabem porque isso passa por uma camada de criação, de plataformas e enablers que os ultrapassam por completo. Portanto, anda aqui uma camada de conhecimento, de como é que a tecnologia se põe ao serviço destes novos processos, que cada vez mais as consultoras estão a ganhar e estão a reforçar as equipas de tecnológicas, estão a fazer parcerias, estão a fazer aquisições. É uma coisa que, para mim, tem sido muito interessante ver funcionar – é como é que Portugal funciona em ecossistema quando quer. É preciso é querer e, quando se decide, deixar de ser uma quinta e defender os seus pequenos terrenos e passar a funcionar como uma cooperativa, realmente funciona.
SAPO TEK: E isso está a acontecer? Porque essa é uma das dúvidas que eu tenho sempre. Porque, tradicionalmente, não se partilham dados, cada um tem a sua quintinha, os «silos», como nós costumamos falar. Não há cooperação, não há coopetition em Portugal, é uma coisa muito difícil e que, aliás, durante muito tempo foi apontado como uma das barreiras – porque as empresas portuguesas precisavam de escala para conseguir chegar aos mercados internacionais. Já está a acontecer mais essa coopetition?
Paula Panarra: Ah, já, já. Já está a acontecer muito mais. Nós fomos, de alguma forma, impulsionadores dessas dinâmicas em dois sentidos, se quiseres. Um, em colocar mais as startups junto com as empresas e, portanto, sempre fizemos muitas dinâmicas de speed dating, introdução de uns aos outros, que eu acho que trouxe frutos giríssimos. E que hoje faz parte talvez do pilar mais diferenciador do nosso programa de startups, que é, de facto, a abertura ao mercado de empresas no momento em que as suas soluções de startups se tornam produtos viáveis. E cada vez mais as corporações entendem que não conseguem ter dentro todas estas competências de desenvolvimento. Não consegues. Já não é possível. E, portanto, é um formato muito melhor, muito mais ágil e, muitas vezes, até mais económico ires buscar quem venha, faça o projeto e a seguir passa ao seguinte e a seguir passo a outro. A outra [dinâmica] que promovemos é partner-to-partner. Nós temos um ecossistema de parceiros muito diverso, vai das grandes consultoras ao pequeno revendedor, mas também temos muitos que são, na verdade, ISBs eles próprios, que fazem desenvolvimento de software. E, portanto, tem sido superinteressante pôr os parceiros a falarem uns com os outros, porque eles não são concorrentes entre eles. Muitas vezes são complementares uns aos outros. E eu acho que essas dinâmicas estão a surgir cada vez mais em Portugal.
SAPO TEK: E essa área dos parceiros, sobretudo dos parceiros pequenos, vai sofrer alterações, com fusões significativas dentro dos próximos tempos?
Paula Panarra: Acho que sim, vamos ver alguma consolidação ou alguma especialização, se quiseres. Porque, na verdade, o que nós temos visto são as duas coisas. Algumas casas que decidem abandonar algumas partes de negócio e focarem-se em especialização. Outras que, ao contrário, têm tido em crescimento por aquisição. E tens vários exemplos de consultoras que têm estado a adquirir TICs. Tens, por exemplo, o exemplo duma Singularity, que é um parceiro que já vai numa escala de quase 30 pessoas e só trabalha a analítica, fez uma decisão muito consciente de uma área de foco. Portanto, eu acho que vamos assistir às duas coisas: alguns a abandonarem partes de negócio e focarem-se no core e outros a fazerem aquisições, parcerias, enfim, vários formatos para poderem expandir as suas competências.
SAPO TEK: A cloud é, neste momento, uma base cada vez mais relevante e tudo indica que será no futuro – contrarie-me se eu estiver errada. Como é que vocês veem, também, o crescimento de concorrência com a entrada da Amazon em Portugal, a Amazon Web Services? E a aquisição da Red Hat pela IBM, que é uma aquisição muito relevante para o mercado?
Paula Panarra: É uma boa aquisição para nós porque nós trabalhamos Red Hat em Azure. Fiquei satisfeita, mais uma forma de poder trabalhar. A concorrência é sempre muito salutar, na minha opinião. Faz nascer oportunidades novas, vamos ser mais a explorar mercado e a criar novas oportunidades e a criar novos desafios aos clientes. Depois caberá a cada um a competência de conseguir mostrar quando aquilo que traz para a mesa é o melhor valor para o cliente. Eu acho que mais companhias a trabalhar, em Portugal, estas áreas vai fazer o mercado acelerar mais rápido, o que vai ser uma vantagem para todos.
SAPO TEK: Em relação ao próprio crescimento da cloud. A Paula falou-me muito das empresas, não temos falado tanto do Governo. O Governo teve, há uns anos, uma estratégia de ir para a cloud, de consolidar data centers, mas que depois acabaram por ou não dar em nada, ou pelo menos não se viu nada a acontecer.
Paula Panarra: De facto, nós temos visto um trabalho mais, se quiseres, de entidade em entidade. E tem sido... cada uma das entidades produziu o seu próprio plano tecnológico e que depois foi agregado naquilo que foi o grande programa GPTIC, que, na verdade, é um programa que conjuga todos os planos individuais das grandes identidades que gerem, de alguma forma, sistemas de informação no Estado. Não te escondo que há duas velocidades, ainda.
E há projectos muito avançados nos quais temos o privilégio de estar a trabalhar. Ainda no outro dia tivemos o exemplo do IRN, que partilhou o trabalho que estamos a fazer com eles no projeto do BUPi, dos cadastros com a utilização de inteligência artificial, com uma camada adicional em cima da solução base do BUPi. Ou tudo aquilo que foram projetos de tecnologia que aconteceram na área da saúde, que nos devem orgulhar porque levaram o país a um nível de adoção de receita eletrónica, nomeadamente de abertura de dados, que a maioria das pessoas desconhece, porque os dados da saúde estão disponíveis neste momento no site live do SNS, em termo real. Portanto, tudo isso, de facto, em algumas entidades é um passo à frente enorme…
SAPO TeK: As duas velocidades acho que acontecem sempre, porque acontecem também nas empresas, era bom que houvesse mais organismos na primeira velocidade.
Paula Panarra: Sim, sempre. Acho que também resulta do facto de haver muitas áreas onde a tecnologia é olhada como um custo e não como um investimento. E essa é uma alteração que leva o seu tempo, porque hoje tens, como no outro dia ouvi o professor Tribolet dizer, numa expressão que eu acho super acertada: a tecnologia, os sistemas de informação hoje executam lei. Acho que é uma expressão que traduz muito bem aquilo que é a premência da atualização, da governação, da boa prática. Já para não falar nas questões de segurança e de cibersegurança, em que a obsolescência da tecnologia é uma das suas maiores vulnerabilidades e, portanto, é uma das preocupações quando se olha, acima de tudo, como um custo e não como um investimento. É que, de facto, se torna numa liability brutal para algumas instituições.
SAPO TeK: Isso é um problema para todo o país e para toda a economia também, porque se parte da Administração Pública não avança, parte da economia acaba por ficar com esse atraso.
Paula Panarra: Eu acredito que, com todo o ênfase do ponto de vista da economia e do desenvolvimento do país que foi colocado na agenda digital – e que me parece que foi uma aposta vencedora, que está claramente a dar os seus frutos, agora precisa de sustentabilidade ao longo do tempo, mas está a provar ter sido uma excelente decisão. Estamos a precisar que, uma vez estável o défice, é minha expetativa que também a modernização da Administração Pública, do ponto de vista tecnológico, possa acelerar.
A importância das competências
SAPO TeK: A falta de qualificações na população em geral, com mais de 20% da população sem literacia digital e mais de 40% com competências baixas é um problema? A isso soma-se a falta de recursos para trabalhar nestas áreas em Portugal. Há uma série de iniciativas, o INCoDe é uma delas, mas também os Tech Visa. Como é que veem o desenvolvimento das competências.
Paula Panarra: Eu acho que é uma área crítica e que tem alguma premência, até mesmo para estas decisões de haver uma série de multinacionais que estão a constituir os seus centros de excelência a partir de Portugal. Isso aconteceu porque, por um lado, nós, de facto, começámos a formar ou aumentar muito as qualificações do talento que estávamos a formar. E, na última década, as nossas escolas de engenharia, as nossas escolas de gestão estão no topo dos rankings – e essa aposta, que foi feita há uma década atrás, na educação, está agora a dar esses frutos, do ponto de vista das qualificações. As empresas vêm porque aqui há pessoas altamente qualificadas. Também vêm porque havia recursos disponíveis e havia, digamos, um acesso a esses recursos, do ponto de vista económico mais acessível do que noutros países na Europa.
SAPO TeK: Acessível em termos financeiros?
Paula Panarra: Sim. Eu acho que isso está a mudar. Excelente para o país e para os portugueses, eu acho que é um valor acrescido que o talento tome determinados valores de mercado que são compatíveis com os valores que se praticam, mas tem o risco das escolhas de localização destas equipas, que pedem um determinado equilíbrio entre qualidade e custo. E que, portanto, torna-se uma preocupação quando os recursos se tornam demasiado escassos. Eu acho que as opções vão ter que ser muito variadas, vão ter de se requalificar pessoas, vão ter de se importar pessoas, vão ter de se utilizar recursos remotos, vão ter que se usar novos formatos de acesso a talento, que vão fazer repensar um bocadinho também a forma como as organizações utilizam esses recursos. Há um papel importante do Estado, mas acho que há um papel muito importante das próprias empresas. E tenho que te dizer que esse é normalmente o meu discurso para com todas as empresas é: «nós precisamos de vos ajudar a criar plataformas de learning, plataformas de reconversão das vossas próprias populações ativas». Porque é aí que vai estar a mais valia no futuro de reter conhecimento de negócio ao mesmo tempo que se evolui para a geração seguinte de população ativa. Eu acho que há algumas organizações que já perceberam isso, que têm que incorporar algum do novo talento para acelerar essa mudança, mas têm que o fazer em simultâneo com a transformação das pessoas que já hoje estão nas empresas.
SAPO TeK: Essa questão da transformação das pessoas que estão nas empresas, eu acho que é muito importante porque acho que essa mensagem não passou durante muito tempo. E durante muito tempo, quando se falou em transformar as empresas, pensou-se sempre «ah, vamos buscar miúdos novos, acabados de sair da faculdade», que não têm conhecimento do negócio, que não têm muitas vezes a cultura de trabalho daquela empresa, a ética de trabalho que aquela empresa já lhes tinha, ou aquela organização, já lhes tinha incorporado, e vêm com outro espírito completamente diferente.
Paula Panarra: É. Tenho de dizer-lhe que eu acho que os media podem ser um melhor trabalho. Mais do que trazer à discussão, que é normalmente a discussão para que somos arrastados – tenho de te confessar –, de os robots vão substituir as pessoas e a tecnologia vai daí «ai e a crise social»... Acho que há um papel a ser feito do outro lado, que é: isso é uma inevitabilidade, portanto, tal como todas as outras revoluções aconteceram, esta também vai acontecer. Vai acontecer, provavelmente, mais rápido do que muitas outras aconteceram, acima de tudo porque está disponível e não é muito cara – porque isso é o que faz a diferença relativamente a uma revolução industrial e à automação, que tiveste antes, que recria o nível de capital muito considerável para modernizar. Aquilo que estamos a falar hoje passa, acima de tudo, por subscrição de serviços. E, portanto, a subscrição de serviços é uma coisa que qualquer empresa pode ter acesso de uma forma muito simples de incorporar. E, por isso, é que vai ser muito mais rápida, na minha opinião. Obviamente, não estando aqui a falar das grandes robotizações industriais, mas falando mais da parte que toca à incorporação de determinadas tecnologias de analítica e de inteligência artificial nas empresas versus as pessoas. Há um papel de requalificação das pessoas, de utilização dessa tecnologia para aumentar valor nas empresas – que é super interessante e acho que é aí que as empresas também têm um papel. A aprendizagem contínua ao longo da vida passa a ser uma realidade e acho que uma parte dela tem de ser prestada pela própria organização. Há muitos índexes que comprovam que Portugal está normalmente no fim dos rankings em que as empresas investem na formação das suas pessoas. Hoje em dia a legislação portuguesa até prevê um x número de horas de formação dentro das suas organizações... Acho que essa é uma das áreas onde é importante fazer algum esforço e investimento dentro das próprias empresas, porque o conhecimento do negócio é lá que está e, portanto, ele vai ser sempre importante para aquilo que é a evolução do negócio, mesmo para a transformação do negócio.
SAPO TeK: Há também a ideia de que a localização dos grandes centros internacionais em Portugal “seca” o mercado porque acabam por atrair os melhores recursos, dos poucos que estão disponíveis, sobretudo aqueles que estão qualificados na área das tecnologias. Qual é a vossa visão em relação a isso?
Paula Panarra: Nós próprios temos um centro de engenharia de suporte aqui em Lisboa, que neste momento já tem mais de 450 pessoas. E nós operamos hoje a partir de Portugal para toda a Europa, Médio Oriente, África. Já tenho muitas nacionalidades, portanto, já não são apenas recursos portugueses, temos muitas pessoas que se deslocalizaram de outros países para vir trabalhar aqui connosco. E eu acho que isto tem uma virtude, que é a de colocar essa pressão no mercado, de que é necessário haver mais destes recursos. E posso-te dizer que já tenho uma série de parceiros a virem ter connosco e a pedirem «vamos lá todos juntos montar aqui um mecanismo de ir buscar mais pessoas aos politécnicos e aos cursos profissionais, e não apenas esperar pelas universidades». Porque não é preciso, em muitas destas funções, esse nível de formação porque as próprias empresas juntam à formação base, que vem de um 12.º ano profissional ou de um politécnico, juntam a sua formação interna e acrescentam competências ao indivíduo. Portanto, estamos a começar a olhar para outros mecanismos de formação e retenção de talento, desde logo à saída da escola e junto com os nossos parceiros, porque, de facto, vai continuar a acontecer... Acho que também ainda há algum desajuste entre a procura e a oferta, acho que a oferta também tem de ser complementada, tenho desafiado uma das universidades de engenharia…
SAPO TeK: Desajuste em termos de competências de formação de base? Ou seja, as próprias universidades não estão ainda a responder para a necessidade de competências que as empresas precisam?
Paula Panarra: Sim... E nos dois sentidos. Acho que ainda formamos muitas pessoas em áreas que não têm assim tanta procura, por um lado. Por outro, os próprios currículos ainda não estão tão complementares como, se calhar, terão de ser no futuro. E acho que o modelo do licenciatura-mestrado até devia dar mais essa flexibilidade. Em vez de fechar tanto na especialização, pode complementar. Há inúmeras tendências já a surgirem nos Estados Unidos e nos países nórdicos – que, normalmente, vão um bocadinho à frente do ponto de vista destes modelos educativos –, de teres sempre em complementaridade tecnologia com humanísticas. Acho que há também pensamento a ser feito na academia para nos ajustarmos.
SAPO TeK: E em perspetiva, como é que vê a evolução agora de Portugal, da Microsoft, assim num horizonte a médio prazo?
Paula Panarra: Eu acho que vejo uns próximos anos muito interessantes de desenvolvimento em Portugal, para a Microsoft, em particular, também. Porque, de facto, nós estamos no centro do que pode significar esta transformação para as empresas. Também teremos que ter a competência de fazer provar o valor das nossas soluções e ter a humildade de saber acompanhar essas transformações nos clientes e de fazer esse caminho em conjunto. Ser uma empresa que presta serviços de tecnologia é isso que significa, é ter um cliente sempre presente porque a satisfação do cliente é fundamental. Passámos a ter empresas, como nós temos hoje, que têm o core do seu negócio assente na nossa tecnologia e na nossa cloud, traz uma responsabilidade acrescida de estarmos sempre lá, estarmos sempre à altura de termos o acompanhamento necessário para também fazer crescer os clientes juntamente connosco. É muito diferente vender uma licença e voltar lá quando a licença já expirou, porque hoje todos os dias temos clientes que estão a correr algumas das situações críticas em cima dos nossos serviços cloud. Portanto, temos de assegurar que têm sempre a arquitetura necessária, que têm sempre o suporte necessário, que têm sempre o suporte necessário e o acompanhamento de negócio que nós precisamos, que trazemos, as atualizações, de pensamento e de processo e de arquitetura, para acompanhar essa transformação. Mas eu vejo claramente muito potencial no mercado português, vejo nascer novas empresas muito promissoras de Portugal para o mundo e, portanto, trazer negócios globais e fazer crescer negócios globais a partir de Portugal eu acho que vai ser um desafio muito giro, nomeadamente aqui para a minha equipa isso faz parte do desafio.