Viciado em pipoca, Curry faz ranking das melhores servidas na NBA
As vistosas sessões de aquecimento de Stephen Curry antes dos jogos da NBA se tornaram uma marca ao longo da meia década de domínio que o Golden State Warriors vem exercendo nas quadras. Driblar com duas bolas ao mesmo tempo. Uma série de arremessos convertidos a um passo do meio da quadra. Cestas marcadas da saída do túnel que conduz aos vestiários da Oracle Arena. Enquanto os Warriors correm atrás de seu quarto título em cinco temporadas, os truques e arremessos complicados que Curry faz em seu aquecimento, e a atenção da torcida que eles atraem, servem como equivalente, no basquete, a assistir a uma sessão de treinamento de rebatidas de beisebol por Barry Bonds.
Menos conhecida é a rotina que Curry mantém antes da rotina de aquecimento, e que ele pretende seguir em cada partida dos playoffs da NBA — especialmente quando o Warriors estiver jogando fora de casa : “Descer do ônibus, caminhar para o vestiário, deixar minha sacola por lá e ir direto à mesa da pipoca”.
Wardell Stephen Curry 2º, você deveria saber, descreve-se como “viciado em pipoca”.
Ele é o primeiro a admitir que essa revelação conflita com as tendências da NBA, cujos atletas jamais haviam se preocupado tanto com a saúde. Mas é um vício a que o atleta que regula o pulso ofensivo do Warriors sucumbe com frequência, e considera como parte essencial de sua rotina em dias de jogo. “Se a pipoca for mesmo boa, como antes do jogo, no intervalo e depois”, disse Curry.
Ele recentemente começou a usar lentes de contato, depois de anos do que descreve como “visão trêmula”, e isso o ajudou a converter 47,3% de seus arremessos de três pontos nas 13 partidas finais da temporada regular deste ano - quase 5% a mais de acerto do que nas 56 partidas anteriores que ele disputou na temporada.
Mas, quando questionado se a pipoca ou as lentes de contato seriam mais importantes para seu desempenho nos playoffs, Curry hesitou na resposta. “Olha, é algo como 1A e 1B”, respondeu.
O amor de Curry por um petisco usualmente associado a sessões de cinema vem “de muito, muito longe”, de sua infância. O pai dele, Dell Curry, que jogou por 16 temporadas como um dos arremessadores mais precisos da NBA e depois se tornou comentarista no canal de TV do Charlotte Hornets, é outro devoto da pipoca e suspeita que seu filho mais velho talvez tenha herdado esse vício, bem como um pouco da pontaria paterna.
Dell Curry frequentemente corre para casa depois das transmissões dos jogos dos Hornets para assistir aos jogos de Stephen e de seu outro filho, Seth Curry, que joga pelo Portland Trail Blazers, na costa oeste dos Estados Unidos. “Continua a ser meu petisco favorito para assistir a um jogo. Quando assisto aos jogos dos meus filhos, sempre como pipoca.”
A diferença, disse ele, é que jamais teria pensado em comer pipoca com manteiga e sal antes de jogar uma partida na NBA. O mesmo vale para Steve Kerr, treinador dos Warriors e mais um arremessador de alta precisão que jogou na mesma época que Dell Curry. Nos dez últimos anos, a comida que é usualmente vendida nos ginásios da NBA se tornou tabu no abastecimento pré-jogo dos atletas. Hoje, as escolhas aceitáveis são barras de cereais, frios e sanduíches de manteiga de amendoim e geleia, sempre presentes nas mesas de comida dos vestiários.
Mas a luz verde que Kerr dá a Curry para arremessar de onde quiser na quadra também se estende à sua dieta. “O que quer que ele esteja fazendo, deveria continuar fazendo”, disse Kerr. “É o meu conselho.”
O ginásio é como um lar
Bruce Fraser é treinador assistente dos Warriors e ajuda Curry em seus preparativos pré-jogo desde que Kerr começou como treinador da equipe, na temporada de 2014/15. A teoria de Fraser, talvez o mais atento observador de Curry na equipe, é que o apego do jogador à pipoca surgiu por conta de suas numerosas visitas a ginásios da NBA para assistir aos jogos do pai, na infância.
“Eu imagino que isso deve ajudá-lo a sentir que está em um ginásio, e ginásios são um lar para Stephen”, disse Fraser.
A devoção de Curry à pipoca cresceu tanto nos últimos 12 meses que ele revelou em diversas entrevistas que tinha um ranking da pipoca nos 29 ginásios da NBA. Convidado pelo The New York Times no começo da temporada a revelar esse ranking para publicação, Curry não só aceitou como sugeriu que as pipocas deveriam ser classificadas em escala de um a cinco por cinco fatores, para embasar o ranking: frescor, sal, crocância, manteiga e apresentação.
Para manter a pureza de seu passatempo, disse Curry, ele não acrescenta qualquer coisa que mude a aparência, sabor ou temperatura da pipoca. Também se declarou capaz de “visualizar a posição da pipoca” em qualquer ginásio do mapa da NBA.
“E a experiência volta imediatamente à minha memória”, disse Curry. “É complicado, cara. É um problema.”
Ela fala com reverência do pacote de pipoca feita na hora que o Dallas Mavericks tinha à sua espera logo à esquerda da entrada do vestiário dos visitantes do American Airlines Center, em 13 de janeiro. Curry marcou 48 pontos naquela noite.
Também conta com orgulho a história dos gandulas do Miami Heat, no aquecimento matinal para a partida de 27 de fevereiro; os meninos garantiram que ele ficaria “impressionado com nossos esforços na frente da pipoca” — e mais tarde, naquela noite, ele encontrou uma mesa com sacos de pipocas alinhados sobre pranchas de madeira e sob lâmpadas de aquecimento.
A visita anual dos Warriors a Brooklyn tem lugar especial na agenda, disse Curry, porque Matthew Horton, o sujeito de 2,08 metros de altura que cuida do vestiário dos visitantes no Barclays Center (e é conhecido como “Tiny”, minúsculo), sempre tem dois sacos de pipoca fresca à espera de Curry em seu armário. A pipoca do Barclays ficou em segundo lugar no ranking de Curry, entre a de Dallas, a primeira colocada, e a de Miami.
Ainda que a pipoca do Smoothie King Center, do New Orleans Pelicans, não tenha ficado na lista de dez mais de Curry (está em 12º lugar no ranking), o pessoal dos Warriors ainda fala de uma visita do time à cidade na segunda temporada de Curry na NBA. Ao descobrir um grande saco de pipoca na sala de exercício, Curry transferiu as pipocas para o seu armário e as escondeu sob seu agasalho. Mais tarde, ele foi fotografado abraçado ao saco de pipoca, sentado no chão do vestiário.
“Eu realmente sou louco por pipoca. Não é brincadeira”, disse Curry.
Klay Thompson, o armador que faz dupla com Curry no fundo de quadra dos Warriors (o par é conhecido pelo apelido “Splash Brothers”), viu o colega preenchendo as notas na planilha da pipoca, em um recente voo do Warriors - e considerou a cena completamente normal. “Ele é um esnobe da pipoca”, disse Thompson.
Kerr dá tanta liberdade a Curry que diz que só descobriu sobre os hábitos de seu armador com relação à pipoca quanto um repórter fez perguntas a respeito. Mas o petisco é fonte de algum atrito entre Curry e o departamento de preparação física do Warriors, porque a pipoca não está na lista de alimentos aprovados ou oferecidos aos jogadores pelo time antes dos jogos em casa.
“Tem coisa boa aí?"
Por isso, Curry tem de tomar medidas especiais quando chega à Oracle Arena em noites de jogo. Sua primeira providência é consultar o segurança Norm Davis, que cuida da porta do vestiário dos Warriors, e perguntar se “tem coisa boa aí”. Davis, então, envia outro segurança, Dwight Pruitt, ao camarote do proprietário do time, ali perto, para apanhar um saco de pipocas estouradas na hora.
Já os times contra os quais os Warriors jogam fora de casa nunca criam dificuldades. “Gostam de nos engordar um pouco antes dos jogos”, disse Curry.
O jogador sabe que não deveria comer tanta pipoca, o que explica por que ele busca restringir seu consumo em casa. Descreve assistir a um filme comendo pipoca como “GOAT” (“a melhor coisa de todos os tempos”, na sigla em inglês), mas só vai ao cinema “mais ou menos quatro vezes por ano”.
É claro que, quando você ajudou seu time a conquistar três títulos em quatro temporadas e ganhou duas vezes o prêmio de melhor jogador, tornando-se um dos atletas mais populares do planeta — o que Curry fez -, fica mais fácil conseguir algumas regalias que os jogadores comuns não têm. Em julho de 2017, Curry teve seu contrato estendido por quatro temporadas, nas quais vai ganhar US$ 201 milhões (R$ 788 milhões, o valor máximo permitido para os Warriors), sem restrições à pipoca.
“Eu nem começaria a negociar se isso fosse uma cláusula. Eles sabem que não vale a pena começar essa discussão”, disse Curry.
“Eu como pipoca acompanhada por água - muita, muita água”, acrescentou, fazendo uma cara que lembra a de suas filhas quando elas pedem para ir dormir mais tarde do que o horário habitual. “Não causa problema algum. Tenho alta tolerância a pipoca.”
Curry nem sempre consegue o que quer quando o assunto é sua comida favorita. No All-Star Game de 2018, no Staples Center, em Los Angeles — que, aliás, serve a pipoca menos apetitosa da NBA, de acordo com ranking do jogador —, ele foi flagrado por uma câmera no banco comendo pipoca. “As autoridades vieram e tiraram a pipoca da minha mão”, disse Curry, referindo-se a dois dirigentes da NBA que lhe disseram que não era bonito comer pipoca durante um jogo — mesmo que a partida fosse um amistoso.
Mas a resistência a imagens como essa parece estar se abrandando. Andy Barr, médico que fundou a Innovate Performance, uma clínica de condicionamento físico na Califórnia, depois de participar das equipes de preparação física do New York Knicks e do New York City FC, da Major League Soccer, apontou para os muitos benefícios psicológicos que Curry extrai do petisco de que gosta tanto, dizendo que isso pode mais que compensar quaisquer preocupações fisiológicas.
“Se a rotina dele é essa, e não se pode questionar seu desempenho, mal não faz. A pipoca é um alimento leve. Teor de sal alto, mas não é uma substância pesada. A diferença estaria na quantidade, e ele se hidrata bem”, disse Barr.
“Se houvesse questões de desempenho ou dieta, com relação à composição do corpo, ou um problema de energia, talvez houvesse motivo para questionar. Mas ninguém vive só de alimentos bons para o desempenho. Dado o desgaste de uma temporada da NBA, às vezes é preciso ser leniente com algumas coisas”, acrescentou o médico.
Para Curry, o hábito é um fator para que os jogos fora de casa sejam mais apreciados. Ou menos. “Se a pipoca é ruim, isso afeta meu humor.”
Quando questionado se a pipoca talvez devesse ser classificada como sua comida favorita, Curry respondeu: “Sei que não posso viver só dela, mas... sim”.