Vinhos naturebas reforçam a máxima de que toda generalização é burra
Noite dessas fui conhecer o Corrutela, na Vila Madalena, que tem pegada sustentável e vem sendo elogiado.
Da carta de vinhos, naturais e biodinâmicos, pedi o branco Gutiflower, do chileno Cacique Maravilla. Foi impossível disfarçar o choque!
Os aromas de piche e repolho fermentado eram tão repulsivos que tive de pedir para levarem aquilo embora.
Como pode uma sommelière achar este vinho bom a ponto de colocá-lo na carta? “Ahhh, você é que não sabe nada sobre naturebas”, diriam membros da patrulha.
Sim, porque os fãs dos vinhos naturais e biodinâmicos, cada vez mais numerosos, tendem a ver seu crescente movimento por meio de um prisma messiânico. David e Golias.
Quem tem poucas vinhas, ara a terra com burrico, colhe com as mãos e fermenta em ânforas é herói.
Quem tem muitos alqueires, usa máquinas e adiciona sulfitos é mau. Toda generalização é burra. Biodinâmicos são vinhateiros que praticam uma agricultura em sintonia com a energia e os ciclos da lua, cuidam dos micro-organismos do solo e protegem a biodiversidade.
Eles podem, a partir da colheita das uvas, fazer vinhos orgânicos convencionais ou escolher a rota natural, o que significa intervir o mínimo possível na vinificação. Deixar as leveduras fazerem o trabalho de fermentar o mosto livres e soltas e não filtrar no final.
As fronteiras que delimitam biodinâmicos e naturais são finas e fluidas —e não existe uma cartilha internacional.
Mas, para a maioria dos natureba lovers, as minúcias importam menos do que o encanto de sentir que estão bebendo algo feito artesanalmente, sem agrotóxicos, por um pequeno produtor.
“As pessoas mentem para fazer o público sonhar”, diz o francês Michel Bettane, respeitado crítico de vinhos. “Biodinâmicos podem muito bem adicionar sulfitos como conservante, por exemplo.”
Encanto é bom —desde que não vire tapa-olhos. Perdi a conta de quantas vezes sommeliers me serviram, orgulhosos, vinhos naturais que pareciam iguais, embora viessem de países diferentes: aroma de sidra, pouco corpo e sabor ácido.
Nos defeitos, viam virtudes, porque eram fãs dos produtores. Historinhas bonitinhas de vinhateiros heroicos e virtuosos, às vezes, fazem as pessoas esquecerem o principal: a maior virtude que um vinho pode ter é ser gostoso de beber.