Você é da elite. O que você faz para melhorar a educação?

Lembro do meu primeiro dia na faculdade, em fevereiro de 2001. Como eu vivia em Caieiras, na Grande São Paulo, tinha de pegar o trem das 6h45 para chegar no horário da aula, às 8h, na avenida Paulista. Como os vagões estavam sempre cheios, segui o conselho dos universitários, há mais tempo naquela batalha. Fui para a última porta, do último vagão. Ali, era mais fácil entrar. Motivo?

Era o mesmo espaço usado pelos presos do semi-aberto. Eles trabalhavam de dia e voltavam ao presídio em uma cidade vizinha à noite. Não era exatamente confortável em termos de espaço, mas era muito mais tranquilo. Eu conseguia, pelo menos, entrar na locomotiva e passar 40 minutos sem muitos pisões no meu pé.

Para a minha surpresa, a aula inaugural foi sobre a nossa responsabilidade, como elite do Brasil, com o futuro do país. Eu tive de me controlar para segurar a gargalhada. Como uma pessoa que tinha acabado de viajar numa lata de sardinha poderia integrar a elite do país? Não tinha base real.

No meu bairro, ainda havia ruas de terra. Tinha esgoto na calçada de casa. Além disso, havia a lição da minha mãe assim que fui aprovado no vestibular, uma espécie de vacina contra eventuais deslumbramentos: “lembre-se que a gente é pobre”.

Faço essa não tão breve introdução para lembrar que você, leitor da Folha, faz parte da elite do Brasil - assim como eu e meus pais fazíamos naquele começo da década passada.

Se você tem curso superior, parabéns, você integra os escassos 15% de pessoas que conseguiram um diploma universitário —um dos índices mais baixos do mundo, se comparado a nações de nível semelhante de desenvolvimento.

Se você consegue ler esse texto com tranquilidade e escrever um comentário a ele, você faz parte da minoria de 12% de brasileiros plenamente alfabetizados, como mostra a pesquisa Inaf (Indicador de Alfabetismo Funcional) deste ano.

“Ah, Leandro, não vem com essa. Dinheiro na conta que é bom…”. Segundo dados do IBGE, o rendimento médio do brasileiro é de R$ 1.242. Talvez você ganhe menos ou esteja desempregado. Mas, pelo menos do ponto de vista educacional, você faz parte da minoria educada.

Trago esses dados porque os tempos exigem compromisso e responsabilidade. Não temos o privilégio de errar em educação. Embora o país esteja avançando nos primeiros anos do ensino fundamental, como mostram os resultados das avaliações federais, o caminho da qualidade ainda é longo. O Brasil teve muito sucesso em universalizar o acesso nos anos 1990, mas ainda tem muito a fazer para entregar uma educação de excelência para todos e todas, sem exceção. O caminho é longo e árduo.

E ai eu te convido a pensar no que fizeram as elites antes de nós.

Fazendo uma breve viagem no tempo, resgato a pesquisa da historiadora Maria Cristina Cortez Wissenbach. Ela lembra que a educação foi vetada a escravizados a partir de 1869. Em seguida, mostra como, apesar do interesse de negros e libertos por alfabetização, o acesso era dificílimo. Havia muitos grupos de estudo formado por comunidades negras, mas quase nenhuma estrutura formal para recebê-los, mesmo depois da abolição, em 1888.

Educação, aliás, era uma das maiores bandeiras dos abolicionistas, e foi derrotada. Mais tarde, virou reivindicação da Frente Negra Brasileira, também pouco ouvida. Demoramos quase um século para assegurar que todas as pessoas estivessem na escola, o que atingiu de modo especialmente cruel pretos e pardos (pesquisas mostram que é muito mais difícil manter na escola crianças cujos pais não frequentaram instituições de ensino).

Quer mais? O pesquisador Renato Perim Colistete, da FEA-USP, levantou documentos em que diversas comunidades Brasil afora pediam a construção de escolas nas primeiras décadas do século 20. Seus dados expuseram uma realidade incômoda. Havia um certo senso comum de que a educação demorou a pegar no Brasil porque nunca foi uma bandeira popular. Na realidade, educação não era prioridade das elites políticas e culturais da época.

Por fim, há o marco legal. Educação só vira direito de todos os brasileiros, mesmo, na Constituição de 1988. Essa é a nossa grande exceção histórica, um raio num dia de céu azul.

Educação como direito universal só aconteceu por causa da mobilização popular e do consenso entre boa parte das elites políticas, econômicas e culturais de fins da década de 80. Educação seria prioridade - e o trabalho a fazer, gigantesco. Afinal, o período autoritário deixaria um legado de analfabetismo e de crianças fora da escola, como a Nova Escola mostrou recentemente.

Apesar dos pesares, os últimos 30 anos marcaram uma inflexão no Brasil. Educação entrou na pauta de prioridades, organizamos o orçamento, definimos metas, criamos políticas de longo prazo. Aprovamos até a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que define os direitos de aprendizagem de todas as crianças e adolescentes do país, mesmo em meio a um processo de impeachment e diversas trocas no Ministério da Educação. São conquistas da sociedade brasileira.

Isso não pode ser perdido, independente do próximo governo. No passado, as elites que nos antecederam, com tanto poder e influência, cometeram muitos erros - que custam muito caro ao país até hoje. Nós não temos o mesmo direito. Ou honramos a Constituição de 1988 ou nossos filhos e netos, daqui a 30 anos, vão perguntar: “Onde eles estavam com a cabeça que deixaram a educação de lado?”. Pode não parecer, mas você tem muito poder.

PS: Não consegui responder aos leitores da coluna passada. Portanto, deixo algumas aqui. Espero que eles leiam. Lembre-se, o espírito é conversar.

MARIA DO SOCORRO ALENCAR NUNES MACEDO

Prezado Leandro, a BNCC adota uma concepção restrita de alfabetização e por isso impõe às crianças e æ escola uma alfabetização meramente técnica visando a produção de índices nas avaliações externas. Para que a educação e a aprendizagem realmente ocorra com qualidade há que se mexer muito nas estruturas sociais excludentes. O professor da educação básica não pode fazer o milagre de alfabetizar a todos indistintamente aos 7 anos. Sou professora universitária e pesquisadora da área de alfabetização.

Resposta: Professora, obrigado pela mensagem. Concordo que o desafio é grande e as estruturas sociais, como você colocou, não ajudam. Porém, eu acho que precisamos encarar esse desafio. As crianças, nas escolas particulares, já estão alfabetizadas nessa idade. Não podemos aprofundar esse fosso, por mais difícil que seja. Sobre a educação tecnicista, também me dou o direito de discordar. Embora a BNCC tenha de melhorar muito, concordo, gostei dos campos de experiência. E você?

MARA C F SILVA

Sabia que o BNCC não foi discutido com os professores? Você tem algum professor da rede pública na sua equipe? Já entrou numa sala de aula? Um outro Leandro , que se dizia " especialista" em educação, se irritou com críticas dos professores á sua visão da educação no Brasil e perguntou numa antiga revista de circulação nacional se para falar sobre o tema" ele precisaria comer giz" . Sabe que precisa?

Resposta: Professora, existe uma crise de representatividade entre os professores. Muitos participaram do processo, mas igualmente muitos não se sentem ouvidos. Por isso que a participação na construção dos currículos locais é tão importante. A BNCC é ponto de partida, não de chegada. No mais, acho que sim, tem de comer giz. Eu entendo isso metaforicamente, claro (giz irrita nariz, irrita mão, quanto mais a boca). Estou sempre em sala de aula, conversando com professores do Brasil inteiro.

TERSIO GORRASI

A reforma na educação começa com uma volta a uns 30 anos no passado, onde os professores eram respeitados pelos alunos. Para isso os pais tem que voltar a tomar as rédeas sobre seus filhos, onde há uma inversão de valores. São eles agora que mandam nos pais e tem excesso de liberdade, o que os leva a zombar e desrespeitar os seus professores, a ponto de muitos até desistirem da profissão

Resposta: Tersio, concordo só com uma parte da sua mensagem. Voltar 30 anos no tempo significa retornar a uma época em que boa parte das crianças não estava na escola. Ai, não. Porém, obviamente, concordo que os professores devem ser respeitados e que os pais têm de se envolver com a escola, tem de acompanhar a educação dos filhos. Acredito no diálogo, mais do que na imposição. 

ELIELSON BARBOSA

Estava próximo de completar minha licenciatura plena em Matemática e Física. Limites, derivadas, integrais simples, duplas, triplas, equações diferenciais e que tais faziam parte do meu repertório. Dispunha de instrumental teórico mas era ignorante no cálculo financeiro. Para sanar essa deficiência fiz extensão em Mat Fin e Análise de Investimentos, que se transformou na minha atividade docente preferencial. Os professores de Matemática do segundo grau estão prontos para esse encargo?

Resposta: Elielson, alguns, sim. Muitos, não. Por isso que os cursos de formação continuada são tão importantes, por isso que a formação entre pares é tão relevante. Como é na sua escola?

DENIS TAVARES

Eu tenho uma pregunta: há algum projeto de se ensinar lógica na educação básica? Pergunto isso pois, se português e matemática são as bases para outras disciplinas, creio que lógica seja a base da base.

Resposta: Denis, lógica aparece na BNCC. Não diria que é a base da base, mas ajuda muito. Por isso, está no documento.

BRUNO LEANDRO

Parabéns pela iniciativa. Sugiro que você escolha alguns tópicos da nova BNCC e comente-os. Até mais.

Resposta: Bruno, farei isso nas próximas colunas. Acertou o caminho.

MARIA VEIGA CEPEDANO

Sou professora de matemática e me preocupo com a geração futura. É muito bom ter a oportunidade de participar. A educação é o principal ingrediente para o progresso de um pais.

Resposta: Maria, você faz parte da elite que me anima. Obrigado!

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