Vouchers funcionariam para melhorar a educação no Brasil?
[resumo] Pesquisador avalia os benefícios que a adoção do sistema de vouchers ou de escolas conveniadas poderia propiciar à educação brasileira.
Paulo Guedes, ministro da economia, aventou no início do ano a possibilidade de introduzir um sistema de vouchers na educação brasileira. Nesse modelo, estados e municípios, em vez de gastarem somente com os alunos que estudam em escolas públicas, repassariam um voucher para todas as famílias com filhos em idade escolar, no valor do gasto por aluno na sua rede de ensino.
As famílias, então, poderiam usar esse voucher para matricular seus filhos nas escolas de sua preferência, públicas ou privadas. E as escolas públicas só receberiam verbas de acordo com o número de alunos que conseguissem atrair.
Quais são as vantagens e desvantagens desse sistema? O que mostram as evidências internacionais? Esse modelo teria êxito no Brasil? Antes de responder a essas perguntas, vale a pena entender como tem evoluído a educação brasileira.
Nos últimos 25 anos houve um grande avanço no acesso e na permanência nas escolas. Em 1992, somente 30% dos jovens chegavam ao ensino médio, ao passo que hoje 75% deles completaram ao menos um ano desse ciclo. Ainda temos, porém, um grande problema de evasão, já que 1/4 desses alunos abandona a escola sem o diploma.
O investimento em educação dobrou num período de 15 anos, passando de R$ 166 bilhões em 2000 para R$ 342 bilhões em 2014. Como o número de alunos no ensino fundamental está caindo devido à transição demográfica, o gasto por aluno triplicou nesse período.
O aprendizado dos alunos no 5º ano vem aumentando de forma consistente desde 2001, mas no segundo ciclo do ensino fundamental cresce muito lentamente. No ensino médio contata-se um grave problema: as notas declinam há 20 anos.
É nesse contexto que a ideia de vouchers volta a ser debatida. O sistema foi defendido pela primeira vez em 1962, pelo economista americano Milton Friedman. Segundo ele, a educação realmente deve ser financiada pelo Estado, pois traz benefícios para todas as pessoas da sociedade. Isso, porém, não significa que deva ser provida apenas pelo Estado.
Na verdade, Friedman achava que o ideal seria as famílias receberem um vale (voucher) que poderia ser utilizado em qualquer escola de sua preferência (pública ou privada). O governo transferiria recursos para cada escola de acordo com o número de vouchers que tivessem.
Os defensores desse método argumentam que a competição das escolas pelos alunos (e pelos recursos que vêm junto com eles) faria com que a eficiência e as melhores práticas aumentassem em toda a rede, inclusive as públicas, elevando a qualidade da educação. Isso ocorreria porque as escolas ruins perderiam estudantes até não haver mais mais recursos para financiá-las. Essa ideia faz bastante sentido, mas será que as experiências internacionais de vouchers têm dado certo?
Uma pesquisa recente, com cuidadosa apuração em vários países, conclui que “as evidências até hoje não são suficientes para recomendarmos a adoção de um sistema de vouchers em larga escala, mas vários resultados positivos indicam que as tentativas devem continuar”.
A maioria das avaliações mais confiáveis mostra que as notas dos alunos que recebem o voucher não são maiores que as dos demais. Há, contudo, evidências de que a qualidade das escolas públicas aumenta quando o sistema é introduzido, ou seja, a competição melhora o ensino.
Por outro lado, as pesquisas também apontam efeitos negativos desse modelo, entre eles o agravamento do problema de estratificação, ou seja, a existência de escolas para os pobres e escolas para a classe média, como ocorreu no Chile.
Em 1981, no governo do ditador Augusto Pinochet, o país instituiu um programa nacional de vouchers. Antes da reforma, as escolas privadas subsidiadas pelo governo não cobravam mensalidade e atendiam apenas 14% de todos os alunos chilenos. Com a reforma, as escolas privadas passaram a receber exatamente o mesmo valor por aluno pago à rede pública, o que fez com que o número de escolas privadas aumentasse muito.
O problema do caso chileno é que as escolas privadas podiam selecionar os melhores alunos dentre os que tinham o voucher e também cobrar mensalidades adicionais, ao passo que as públicas não podiam recusar alunos. Segundo as pesquisas, houve uma migração em massa da classe média para o sistema privado, aumentando a desigualdade.
Desde então, o sistema tem sido bastante reformado, com a introdução de um voucher diferenciado para alunos de baixa renda e isenção de mensalidade extra para eles. Vale notar que a nota média dos chilenos nos exames do Pisa, que medem o aprendizado em vários países, tem aumentado bastante. Ainda assim, os protestos contra a reforma educacional continuam até hoje.
Os efeitos dos vouchers, portanto, dependem muito das especificidades de cada país. O sistema parece funcionar melhor se as escolas privadas não puderem escolher os alunos e nem cobrar mensalidades adicionais, caso contrário pode-se gerar mais desigualdade.
No caso brasileiro, o valor atualmente gasto por aluno é cerca de R$ 6.000 por ano, ou seja, R$ 500 por mês. Se esse for o valor do voucher, somente as escolas com custos por aluno menores do que isso irão aceitá-lo. Será que essas escolas iriam oferecer um ensino de melhor qualidade que a rede pública?
Além disso, nossa experiência recente com o Fies demonstra que parcerias entre o setor público e o privado precisam ser muito bem reguladas, para não gerar prejuízos no futuro. Um sistema de vouchers poderia fazer com que dezenas de escolas privadas de baixo padrão surgissem para receber dinheiro do governo. Sem informações confiáveis, pais teriam muita dificuldade para decidir onde matricular os filhos.
Uma alternativa seria permitir o funcionamento de escolas conveniadas (“charter schools”), ou seja, escolas públicas geridas por empresas privadas ou do terceiro setor, geralmente sem fins lucrativos. As conveniadas possuem maior autonomia que as públicas tradicionais. Podem contratar e demitir professores livremente, pagar salários diferenciados para os melhores profissionais, variar o tamanho da classe e introduzir inovações na gestão. Não podem, porém, selecionar alunos por notas e cobrar mensalidade.
Esse modelo é muito comum nos EUA. Por lá, quando ocorre excesso de procura, é permitido às escolas realizar sorteios de admissão. Da mesma forma como ocorre com os vouchers, a existência de escolas conveniadas tende a melhorar a qualidade do ensino como um todo, uma vez que estudantes de escolas públicas ruins podem migrar para uma conveniada, para ter aulas com professores mais capacitados e em classes menores.
Estudos identificam os melhores resultados nas conveniadas que adotam métodos sofisticados de gestão, que fazem acordo com os pais para garantir a cooperação deles, que dão muitas aulas de reforço para alunos com mais dificuldades, que selecionam professores e diretores com muito cuidado e controlam rigorosamente o comportamento dos alunos.
Assim como no caso dos vouchers, a competição com as conveniadas parece ter contribuído para o avanço do ensino nas públicas tradicionais.
Voltando ao cenário brasileiro, que lições podemos tirar dessas experiências? Tanto o sistema de vouchers como o de escolas conveniadas poderiam, em tese, ser proveitosos aqui, ao realocar os alunos nas escolas que geram mais aprendizado.
A vantagem das conveniadas vem do fato de disporem de regulação mais eficaz, uma vez que é necessária uma permissão do Estado para abrir uma unidade —além do fato já citado de não poderem selecionar alunos por desempenho escolar e cobrar mensalidades.
Assim, teriam mais chances de vingar no Brasil, dado que a desigualdade por aqui já é muito elevada e as associações entre o Estado e o setor privado carecem de regulamentação eficiente.
Seria simples estimular a abertura de escolas conveniadas no Brasil, bastando para isso permitir que elas recebam recursos do Fundeb, o fundo de desenvolvimento do ensino básico, que será reformulado no ano que vem. Isso já ocorre no ensino infantil, mas teria que ser expandido para o fundamental e o médio.
O problema no ciclo infantil é a grande variação de qualidade das creches conveniadas, o que se agrava pelo fato de os pais não terem outras opções para deixar seus filhos. No ensino fundamental seria mais fácil preservar um bom nível de ensino e inibir a proliferação de unidades deficientes, pois há excesso de vagas atualmente.
As escolas conveniadas não precisariam seguir as regras da rede pública, mas teriam de participar de todas as provas do sistema de avaliação educacional. As de desempenho consistentemente ruim poderiam perder a licença para operar.
Em suma, é urgente elevar a qualidade da educação no Brasil, especialmente no ensino médio. Apesar de alguns casos de excelência, a gestão escolar no sistema público é muito ruim na maioria dos municípios. Precisamos incentivar a adoção das melhores práticas educacionais baseadas em evidências.
Para isso, seria bom usar os recursos públicos com o intuito de estimular competição por alunos entre as escolas públicas e as geridas pelo setor privado, permitindo que as famílias possam escolher as unidades de sua preferência usando dinheiro público.
O grande desafio é a regulação do sistema. Por esse motivo, o modelo de escolas conveniadas gerido por organizações privadas parece ser a melhor opção para chacoalhar a educação brasileira.
Naercio Menezes Filho é professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Ordem Nacional do Mérito Científico