Voz das mulheres não é escutada no vôlei, afirma ponteira Gabi
A Superliga feminina de vôlei chega à decisão da temporada 2018/19 com uma grande novidade e o retorno de um assunto polêmico.
O fato novo é que pela primeira vez desde 2005 a equipe do Rio de Janeiro não está na final. Este ano, o confronto será 100% mineiro, entre Dentil/Praia Clube, de Uberlândia, atual campeão, e Itambé/Minas, de Belo Horizonte.
O primeiro jogo da série melhor de três será às 11h deste domingo (21), no Mineirinho, com transmissão do SporTV 2.
Como já aconteceu em outros anos, a reta final da competição foi marcada por debates sobre o ranking da Superliga (saiba mais abaixo), que atribui pontuação para as melhores jogadoras e não permite que mais de duas delas joguem no mesmo time.
No fim de março, após os clubes aprovarem a continuidade do ranking, várias delas protestaram nas redes sociais e classificaram a medida como machismo. No masculino, depois de vários anos de insatisfação, votação dos clubes derrubou a prática em 2018.
Entre as jogadoras que protestaram está Gabi Guimarães, ponteira do Minas e da seleção brasileira. Aos 24 anos, a atleta disputará sua sétima final seguida de Superliga —nas outras seis defendia o Rio— e cada vez mais se firma nos papéis de destaque e líder na renovação da modalidade.
À Folha Gabi explica por que considera que a voz das jogadoras não é ouvida pelos clubes e pela Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) e comenta a quebra de hegemonia no torneio e os desafios que a seleção enfrentará em 2019.
Procurados, CBV e Minas não quiseram se pronunciar.
Como você avalia essa quebra de hegemonia na Superliga? Fico feliz. Claro que foi muito bom ter ficado seis anos consecutivos disputando final pelo Rio, mas o investimento de outras equipes é muito importante para a evolução do torneio, patrocinadores e público. Os jogos estão cada vez mais cheios, no Minas estão todos lotados, onde a gente vai cada vez mais a torcida está aumentando, isso se deve também ao fato de os times estarem mais equilibrados.
Você conheceu bem o Bernardinho no Rio e o Zé Roberto na seleção. Agora trabalha com um técnico italiano, o Stefano Lavarini. Como foi a adaptação? Depois que você trabalha tantos anos com o Bernardo e o Zé Roberto, que para mim são os dois maiores do mundo, você cria um certo receio de como vai ser sair dessa zona de conforto e trabalhar com um estrangeiro. Mas o Lavarini é muito estudioso. Gosta de vídeo, conversa sobre esquema tático. Ele já fala português melhor do que nós, brinco em relação a isso porque ele se entrega muito. Apesar de ser estudioso, ele também dá uma liberdade grande para a atleta. Eu gostei muito porque comecei a conhecer uma Gabi que pode sair de uma situação sozinha e que vai se encontrar em momentos de dificuldade.
O Bernardinho tem o papel de grande formador na sua carreira? Ele foi um porto seguro para mim. Insistiu comigo nos momentos ruins, realmente apostou, queria que eu me tornasse jogadora de seleção. Agora tive essa transição de como é a Gabi sem o Bernardinho, fora do Rio de Janeiro, será que ela realmente se formou e vai conseguir seguir os próprios passos? E foi completamente positivo.
Você e várias atletas se manifestaram contra a continuidade do ranking na Superliga. Por quê? Ele tira completamente a chance de nós escolhermos em que time vamos jogar. Muita gente diz que a gente não fica sem emprego e que ganha bem, mas podemos dar vários exemplos. Alguém vai ter que sair do Minas neste ano [a levantadora Macris passou a ter pontuação máxima, e o clube já contava com as ponteiras Gabi e Natália nesse nível], então ficamos muito indignadas.
Primeiramente com a CBV, que acaba jogando para os clubes a responsabilidade, mas é ela quem chancela e quem decide o que vai ser feito. E por não ter um critério, de participação na seleção brasileira ou de estatística. Os clubes decidem quem são as jogadoras que vão ser votadas. Se algum clube quiser colocar uma jogadora, entra em questão e eles votam. A gente fica refém do ranking e da manipulação nas votações.
O Minas votou a favor da manutenção do ranking. Vocês conversaram sobre isso internamente? Conversei muito com a Keyla [Monadjemi, diretora do Minas], principalmente, tudo o que eles julgam é a questão do equilíbrio, e a gente não concorda que esse equilíbrio vá existir ou não por causa do ranking. Hoje você pode ter duas jogadoras de sete pontos e duas estrangeiras. Se você consegue duas estrangeiras muito fortes com duas de sete pontos vai existir um desequilíbrio de qualquer maneira.
Todos querem que as jogadoras de sete pontos continuem no Brasil, mas o que acontece cada vez mais é a gente buscar mercado fora. A gente espera que não tenha que chegar ao ponto de todo mundo sair para tirarem o ranking e falarem “voltem para cá”.
Nas redes sociais vocês associaram a continuidade do ranking a uma posição machista. Por quê? Ninguém nos ouve. A gente conversa, no ano passado buscamos um advogado, mas a CBV diz simplesmente que a questão é dos clubes. Por que a CBV aceita que o masculino não vai ter e no feminino a gente continua nesse retrocesso? O masculino falou que não tinha necessidade disso e todo mundo ouviu, a gente ninguém ouve. Parece que as pessoas pensam: "vamos escutar só dez mulheres? São só dez mulheres que estão sendo prejudicadas".
O que vai acontecer é todo mundo querer jogar onde não existe esse ranking. A gente fala, então por que vocês não votam onde a Gabi e Natália vão jogar? Montam o time que querem e assim facilita para todos. Não fica o estresse de não saber o que vai acontecer a cada temporada.
Existe algum espaço para uma autocritica das atletas? A articulação de vocês pode melhorar? Acho difícil. A gente vai ver agora o que fazer, se vai tomar medidas mais drásticas ou não. Ainda não podemos falar sobre o que vamos tentar fazer por que envolve muita coisa. Mas se a gente não conseguir cada vez mais se unir, ninguém vai dar valor. [Vão dizer que] as meninas não se juntam, deixam isso acontecer, vai ficar por isso mesmo, elas aceitam tudo...
A vontade que você tem de jogar fora somada a essa insatisfação pode acelerar sua saída do país? Claro que só vou conseguir pensar sobre isso depois da Superliga, sem dúvidas eu tenho o sonho de jogar fora. Mas o que me deixa muito triste é todas as atletas começarem a ficar um pouco brochadas de jogar no Brasil exatamente por essa questão. Não sei quando isso [jogar fora] vai acontecer, mas com certeza junta uma questão na outra.
No ano passado a seleção brasileira não teve um desempenho bom no Mundial e na Liga das Nações. O grupo estará mais pressionado por isso neste ano? A gente sabia que seria um ano difícil, até pela renovação e com jogadoras mais experientes saindo. Sabemos que a cobrança vai ser muito grande, porque o brasileiro está acostumado a ganhar, e a gente também se cobra muito internamente.
Foi um ano de muitas experiências ruins que vão trazer coisas boas. Vejo todo mundo querendo se cuidar e fazer com quem 2019 seja completamente diferente. É um ano para a gente se reinventar como equipe e com a nova geração querendo buscar seu espaço e mostrar que pode fazer história, como outras gerações conseguiram. Tem tudo para ser um ano de muita superação.
Entenda a polêmica do ranking do vôlei
Criado no início dos anos 1990, o ranking da Superliga atribuía pontuação para jogadores e jogadoras e definia um teto que cada clube poderia atingir na soma do seu elenco.
Para as mulheres, a regra mudou em 2016, quando ficou definido que apenas as atletas então classificadas como nível sete (o teto) teriam restrições. Cada clube passou a poder contar com no máximo duas delas. Para os homens, os clubes acabaram totalmente com o ranking em 2018.
No fim de março, 9 dos 10 clubes femininos votaram para a manutenção do ranking na próxima temporada. Apenas o Praia Clube e a comissão de atletas foram contrários.
O fato gerou novos protestos das principais jogadoras que atuam no Brasil, e algumas passaram a falar abertamente em deixar o país.