É difícil decifrar a esfinge mexicana
Os analistas internacionais ainda estão tentando decifrar a “esfinge AMLO” –iniciais de Andrés Manuel López Obrador, agora presidente eleito do México.
AMLO recebeu cumprimentos efusivos pela vitória seja do americano Donald Trump ou do venezuelano Nicolás Maduro, o que acrescenta dificuldade na tarefa de interpretá-lo.
Classificado como esquerdista, suas primeiras palavras após o triunfo eleitoral são de austeridade orçamentária e combate à corrupção. Ao contrário de bandeiras progressistas, AMLO não dá endosso automático a aborto ou casamento homossexual.
Em sua base de apoio político estão, por um lado, intelectuais de botequim e sindicalistas, e, por outro, evangélicos e conservadores de costumes.
AMLO é favorável à permanência do México no Nafta (Acordo de Livre-Comércio da América do Norte). E, em sua campanha, não demonizou Donald Trump. Aliás, ao contrário do mantra das esquerdas latino-americanas, não identificou nos interesses estrangeiros, no imperialismo ou na elite financeira global a raiz dos males de seu país.
O presidente eleito já anunciou o nome de seu ministro da Fazenda, Carlos Urzúa, que defende posições —pouco consensuais entre economistas heterodoxos– como disciplina fiscal e autonomia do Banco Central. Seu chefe de gabinete, Alfonso Romo, é um empresário multimilionário.
Tais anúncios ajudaram o desempenho dos ativos mexicanos. Na terça (3), o peso se valorizou, a bolsa subiu forte. Não se observa, contudo, nível de euforia semelhante ao experimentado pelo antecessor de AMLO na presidência mexicana seis anos atrás.
Quando, em dezembro de 2012, Enrique Peña Nieto, assumia os rumos do México, o futuro descortinava-se brilhante. Munido de uma agenda reformista, o novo presidente faria potencialidades internas sintonizar-se com oportunidades externas. O México parecia no bom caminho para transformar-se num país moderno.
Naquele ano, a Nomura Equity Research projetava: “na próxima década o México se converterá na principal economia da América Latina e um dos mercados emergentes mais dinâmicos”.
Tal sentimento era geral. Ruchir Sharma, chefe de mercados emergentes do Morgan Stanley, mostrava em “Breakout Nations” que o México detinha amplas vantagens competitivas quando comparado ao Brasil.
Desde a entrada em vigor do Nafta, o México já concluíra 12 acordos de livre comércio com 44 países. Pouco antes da posse de Peña Nieto, a bolsa de valores mexicana já voltava a se aproximar do recorde histórico atingido antes da Grande Recessão global de 2008.
Jim O’Neill, criador do acrônimo “Brics”, também se entusiasmava com o México. Em seu livro “O Mapa do Crescimento”, sustentava que o México estava “escalando o ranking dos mercados em crescimento”.
As boas notícias pareciam ir confirmando uma tendência amplamente positiva. A presença corporativa do México nos EUA nos últimos anos revertia a ideia de que a relação econômica entre os dois países se resumia a "maquiladoras” ao sul da fronteira –indústrias de baixo valor agregado cujo destino produtivo é o mercado dos EUA.
Empresas e marcas como a operadora móvel virtual Tracfone, a indústria panificadora Bimbo, a multimídia Televisa, a cimenteira Cemex e a cerveja Corona, atestam, de fato, tal ascensão.
Em referência a territórios perdidos pelo México na guerra travada com o vizinho do norte no século 19, a pujança corporativa mexicana nos EUA foi em momento recente chamada de A Reconquista.
Com proeminência no próprio mercado mexicano, e recursos via mercado acionário, empresas mexicanas realizaram muitas aquisições de ativos industriais nos EUA e na Europa.
A expansão das multinacionais brasileiras no exterior, comparada à mexicana, foi bastante modesta. E, claro, a ascensão mexicana que entusiasmava analistas há poucos anos era também fortalecida pela própria metamorfose da economia chinesa.
Quando o México se associou ao Nafta no início dos anos 1990, o país adotava regime cambial de grande valorização relativa do peso –algo pouco conducente a exportações, mas que oferecia a impressão de prosperidade pelo PIB mensurado em dólares correntes. É coincidente a admissão do México como membro da OCDE em 1994.
Em fins daquele ano, sem reservas abundantes em dólares e com graves problemas políticos, como a Revolta de Chiapas, sobreveio a crise tequila. Consequentemente, por um bom tempo a China decolou na promoção de exportações e o México teve uma performance abaixo do esperado.
Contudo, tendo o PIB chinês se multiplicado muitas vezes, foi natural um aumento do custo de remuneração dos fatores na China. Enquanto a produção vai ficando mais cara, o yuan mais valorizado e o país menos dependente de exportações, o México voltou a se mostrar mais atraente. Claro, tudo isso voltou a ser posto em xeque com a vitória de Trump e o destino incerto do Nafta.
Assim, o governo de Peña Nieto, que se encerra nos próximos meses, representa bom resumo da trajetória mexicana que reúne êxito e frustração. Por um lado, avanços na área de comércio exterior e industrialização, bem como na modernização competitiva em setores como petróleo e telecomunicações.
Por outro, persistentes níveis de economia informal, corrupção e violência, educação insuficiente —que Peña Neto tentou mas não conseguiu modernizar— e pouco sucesso nas reformas institucionais.
López Obrador, alguns querem pensar, fará um governo violino: você pega com a esquerda, mas toca com a direita. E é interessante perceber que os temas econômicos, ao longo da campanha, foram menos importantes do que suas promessas de combate à corrupção.
A propalada luta contra a corrupção, no entanto, pode ser para AMLO aquilo que os acordos comerciais foram para seus antecessores: pontos de luz numa escuridão de atraso.
Tais acordos propiciaram melhorias importantes, mas de alcance limitado sem reformas políticas e institucionais profundas e sincronizadas. Sem elas, o México, como tantos na América Latina, continuará encalhado em suas contradições.