Patente dos EUA sobre a planta jambu é novo alvo de notícias falsas
O jambu não é nosso —ao menos, não só nosso. A planta amazônica também é natural da Indonésia, da Índia e já é até mesmo cultivada e vendida por empresas de produtos orgânicos no Reino Unido.
Mas, por aqui, planta é fartamente usada na culinária típica da região Norte do país nos tradicionais tacacá e pato no tucupi, na preparação do arroz, em chás e até em uma cachaça consumida na região.
Por isso, a notícia de que americanos teriam obtido uma patente sobre um dos componentes do jambu causou espanto em cientistas e na massa de internautas que compartilharam o texto nas redes sociais. Cientistas da Universidade Federal do Amazonas, inclusive, estariam proibidos de fazer pesquisas sobre o vegetal e suas propriedades, afirmava a reportagem.
Divulgada em 2013 pelo site amazonense Portal do Holanda, a notícia começou a ser republicada por outros blogs nas últimas semanas. O pré-candidato a presidente Guilherme Boulos, do PSOL, escreveu no Twitter em 30 de junho: “Da série ‘fala fino com os Estados Unidos’: Neste mês, a Universidade federal do Amazonas teve que interromper estudos medicinais com o jambu porque os norte americanos patentearam o vegetal amazônico. Inaceitável! Essa patente ilícita não deveria ser reconhecida pelo Brasil.”
Não é verdade que a universidade teve que interromper seus estudos neste mês. E é verdade que os EUA têm patentes relacionadas ao jambu, mas elas não têm efeitos sobre as pesquisas brasileiras. Cientistas daqui, inclusive, também têm patentes ligadas a essa planta.
“A patente americana só vale lá, e não aqui”, diz Rafael de Sá Marques, presidente do CGen (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético), ligado ao Ministério do Meio Ambiente. “A lei brasileira diz que não serão objeto de patentes substâncias encontradas na natureza. Não precisamos obedecer à lei americana”, diz.
Nos EUA, é possível patentear uma substância encontrada na natureza, como o espilantol (um dos princípios ativos do jambu), o que não é permitido no Brasil. Aqui, só são patenteáveis invenções, e não seres vivos e parte deles.
Ainda segundo Marques, as pesquisas acadêmicas baseadas na biodiversidade brasileira nunca estiverem ameaçadas. “Como o patrimônio genético é um bem comum do povo, da nação, qualquer um pode pesquisá-lo.”
Diversas patentes sobre o jambu e o espilantol foram depositadas nos EUA desde a década de 1970. De lá para cá, houve dezenas de registros, alguns, inclusive, já expirados.
Apenas no local onde a patente for aceita e concedida, obtém-se o direito a um monopólio de exploração econômica de uma determinada invenção —por exemplo, uma forma de se obter um extrato de jambu para uso oral, como consta em um título de 1971. O conhecimento, no entanto, torna-se público e disponível em bases de dados e podem ser usados por qualquer um para fins de pesquisa e até industrial —desde que se pague royalties ao proprietário.
Extratos do jambu, que causa dormência, podem ser usados para aliviar a dor, inchaços, gengivites e infecções. Para todas essas aplicações, há patentes em diversos países, inclusive no Brasil.
Uma dessas patentes foi obtida graças ao trabalho do pesquisador Rodney Rodrigues, da Unicamp, e sua equipe. Eles criaram um método sem usar produtos químicos cancerígenos, para remover pigmentos do extrato, o que amplia seu uso como anestésico.
Segundo ele, nem sempre os pesquisadores ficam sabendo quais patentes já existem no exterior, daí a importância de contar com escritórios de inovação nas universidades.
Ainda assim, o fato de estar atrás na corrida da exploração da biodiversidade amazônica incomoda pesquisadores.
Emerson Lima, pesquisador da Ufam e que já estudou as propriedades farmacológicas do jambu, diz que, no fim das contas, “tudo o que pesquisamos em relação às propriedades analgésicas e anti-inflamatórias será em benefício das empresas que detêm as patentes, que ganham respaldo conforme cresce o número de artigos a respeito”.
A exploração da biodiversidade brasileira ganhou um novo capítulo com Lei da Biodiversidade, de 2015. Agora, empresas estrangeiras têm de se vincular a uma instituição do país para fazer pesquisas. “Na prática, não há fiscalização. Ainda há um esforço para operacionalizar a lei”, diz Lisandra Pessa, especialista em inovação radical do laboratório brasileiro Aché, que tem produtos baseados na nossa biodiversidade.
Ela conta que a lei anterior, de 2001, tinha uma tônica contra a biopirataria, mas pecava ao não promover pesquisas e a inovação. Nenhuma das leis, porém, conseguiu impedir que estrangeiros viessem, estudassem e patenteassem produtos baseados na biodiversidade brasileira.
Mas esse problema pode ser menor do que se alardeia, defende a pesquisadora Vanderlan Bolzani, professora titular da Unesp. Para ela, a legislação tinha de ser mais simples, de modo a facilitar a criação de novos produtos.
“É preciso tomar conta do patrimônio, mas há uma paranoia. A Amazônia não é só brasileira —é das Guianas, da Venezuela, da Colômbia… O que adianta definir o que pode ou não pode se a Guiana Francesa tem um laboratório de pesquisa fantástico dentro da mata? As plantas muitas vezes são as mesmas. No fundo, a lei não protege tanto assim”, diz a cientista.
Ela, veterana também na pesquisa do jambu, diz que fomos lentos. “O espilantol não foi descoberto ontem. Aqui as pessoas se preocupam somente em publicar artigos científicos; os estrangeiros veem o que é importante e, quando nos damos conta, tudo está patenteado lá fora.”
Para Marques, do CGen, o gargalo para fazer a Lei da Biodiversidade pegar é cultural. “Saímos de um modelo autorizativo, cartorial, para um eletrônico. Os cientistas pesquisaram por 200 anos sem regras, mas, no mundo de hoje é surreal pensar que eles não devem ter outras preocupações —éticas, financeiras, legais e ambientais, por exemplo— além da pesquisa em si.”