É falso que período de chuvas impediu desmatamento na Amazônia
Diferentemente do que afirma médico em vídeo que viralizou, os alertas de desmatamento na Amazônia aumentaram no período de seca e não no período de chuvas. Segundo dados do sistema Deter do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o aumento se deu em maio, junho e julho deste ano. A estação chuvosa na Amazônia se estende de novembro a março.
No vídeo viralizado, o médico, que é registrado no estado do Pará, afirma: “você que mora aqui na Amazônia sabe que de janeiro a julho temos chuvas, muita chuva no norte e a chuva não permite queimadas, seu mentiroso”.
Como verificado pelo projeto Comprova, o período de chuvas na Amazônia se estende de novembro a março. Os dados do Inpe indicam que os alertas de desmatamento da floresta não aumentaram nesse período, mas em maio a julho deste ano. O período de seca vai de maio a setembro. Já os meses de abril e outubro são considerados períodos de transição.
De janeiro a abril de 2019, no período chuvoso, os números de alertas de desmatamento foram menores que os de 2018. Já, em maio, eles foram 34% maior do que no mesmo mês em 2018 e, em julho, 212% maior —ambos os meses na estação seca.
O valor de mais de 1.800 km² registrado em julho de 2019 é o valor mensal mais alto da série divulgada desde agosto de 2015. Em todo o período, o valor mais alto tinha sido de 1025 km² em agosto de 2016.
Além disso, ainda que o médico do vídeo fizesse referência aos dados corretos, a afirmação de que é impossível realizar queimadas na Amazônia na estação chuvosa é falsa, segundo Carlos Souza, geólogo do instituto de pesquisa Imazon. Isso porque, de acordo com ele, a distribuição das precipitações varia tanto entre os meses quanto nas diferentes regiões da floresta —a Amazônia Legal ocupa 5,2 milhões km², divididos em zonas de diferentes microclimas.
Souza afirma que, embora a queimada seja o método tradicional de limpeza de um terreno após a derrubada da floresta, uma das estratégia de desmatamento consiste em derrubar as árvores durante a estação chuvosa, mas realizar a queimada meses depois, em tempos de seca. É uma maneira de acelerar essas operações ainda no início do ano, mesmo em lugares em que os temporais impedem que se finalize o procedimento.
Ao todo, três sistemas de monitoramento do INPE vigiam a Amazônia. Os dados mais recentes são do Deter, que é um dos sistemas de monitoramento do Inpe e fornece alertas ao Ibama para dar suporte às ações de fiscalização do órgão. O sistema identifica o desmate ou degradação de áreas da floresta maiores que três hectares, por meio da detecção de padrões como cor, tonalidade, textura e forma da cobertura.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou nesta terça (31) que o percentual de aumento de desmatamento obtido pelo sistema Deter não condiz com a verdade.
A crítica ao Deter vem depois de o presidente Jair Bolsonaro atacar e questionar o órgão federal, subordinado ao Ministério da Ciência. O próprio Inpe afirma que o Deter não serve para medir desmatamento, mas, sim para auxiliar na fiscalização. Seus dados mensais, porém, indicam a tendência do desmate.
As taxas oficiais de desmatamento são calculadas pelo sistema Prodes, também do Inpe, e divulgadas uma vez por ano. No entanto, existe uma correlação bastante significativa entre os dados de alerta mensais e os dados de desmatamento anual, o que mostra que o Deter pode ser lido como indicativo de tendência.
Apesar de contestar os dados do Deter, Salles confirmou que há aumento do desmatamento, sem precisar de quanto. "O próprio Inpe reiterou que o Deter não se presta para mensurar comparativamente desmatamentos em caráter temporal. Não se trata de ajustar número, mas de reconhecer que este não é um instrumento para isso", afirmou.
O Comprova entrou em contato por telefone com o médico do vídeo mas ele preferiu não responder às perguntas enviadas pela reportagem.
Participaram da apuração deste texto Nexo Jornal e O Estado de S. Paulo, que integram o Comprova, projeto que visa identificar, checar e combater rumores, manipulações e notícias falsas sobre políticas públicas. É possível sugerir checagens pelo WhatsApp da iniciativa, no número (11) 97795-0022.