A guerra dos apps de entrega de comida está só começando
Se você achava que o setor de entrega de comida estava entrando em fase de consolidação, melhor mudar de ideia.
A pressão sobre alguns dos aplicativos mais fracos começa a se fazer sentir, gerando os primeiros sinais de fusões. Mas esse parece ser apenas o começo de uma batalha longa e dispendiosa pelos estômagos do planeta, e ainda haverá muito prejuízo a absorver.
Os serviços online europeus de pedidos de entrega de comida Just Eat e Takeaway.com confirmaram no final de semana passado os planos de combinar seus negócios. Esta semana, as duas empresas revelaram um baque em seus lucros devido à crescente concorrência, já que os rivais estão recorrendo a subsídios para conquistar clientes.
Nos Estados Unidos, o Grubhub —que a exemplo do Just Eat começou como serviço online de pedidos de comida antes de criar uma operação de delivery em resposta a uma onda de novos concorrentes— está definhando, sob pressões semelhantes. As ações da empresa subiram em 7% na segunda-feira (29) quando surgiu a esperança de uma fusão, mas em seguida caíram em quase 15% quando a companhia alertou sobre um solavanco em seu lucro.
Esses ruídos refletem a chegada de concorrentes com financiadores dotados de grandes recursos a um mercado que continua a ser muito fragmentado. Buscando inspiração na Uber, por exemplo, a DoorDash, nos Estados Unidos, vêm se capitalizando vigorosamente, arrecadando quase R$ 7,7 bilhões do ano passado para cá. A teoria é brutalmente simples: arrecadar mais capital e oferecer subsídios maiores do que rivais menos dotados de recursos ajuda a conquistar os consumidores e a criar um mercado dominante para a comida delivery. A DoorDash já ultrapassou o Grubhub para se tornar a líder do mercado delivery dos Estados Unidos.
E pode vir a derrotar a Uber no jogo que esta criou. Com pouco ou nenhum crescimento nos serviços de carros, a Uber ainda depende pesadamente dos negócios da Uber Eats para provar que continua a ser uma empresa de crescimento. Mas a reação tépida à sua oferta pública inicial de ações mudou a equação, enviando uma mensagem clara de que a tolerância de Wall Street a prejuízos é limitada.
Alguns dos maiores investidores de mercado privado estão na fila para capitalizar apps de delivery. Entre eles estão o fundo governamental de investimento Temasek, de Cingapura, e o grupo de investimento sul-africano Naspers, que liderou uma rodada de capitalização de US$ 1 bilhão para a Swiggy, da Índia, e outra de R$ 1,9 milhões para a iFood, no Brasil. E o SoftBank, sendo o SoftBank, parece muito satisfeito ao jogar em todos os campos ao mesmo tempo: seu Vision Fund investiu na Uber e DoorDash, além de capitalizar o grupo latino-americano de delivery Rappi em R$ 3,8 bilhão alguns meses atrás.
Muitas outras empresas parecem estar determinando de que maneira jogar nesse setor. Entre elas está a Amazon, que fechou seu serviço de delivery nos Estados Unidos depois de fracassar no segmento e agora ao que parece está estudando ingressar no mercado da Índia, enquanto espera aprovação das autoridades regulatórias para um grande investimento na Deliveroo.
Os entusiastas afirmam que o mercado de comida delivery vai rivalizar com o de serviços de transporte pessoal, ou mesmo excedê-lo. De acordo com um grande investidor no setor, as margens também parecem superiores, especialmente longe das grandes cidades, onde a proporção maior de famílias grandes resulta em pedidos de comida maiores.
As margens dependem, é claro, daquilo que os clientes estejam dispostos a pagar, quer estejamos falando de restaurantes (para os quais o app de delivery representa uma fonte valiosa de fregueses adicionais, a fim de ajudar a cobrir custos fixos), quer dos consumidores, que pagam taxas pela conveniência.
O impacto sobre o setor de restaurantes já está se fazendo sentir. A Domino's Pizza, por muito tempo sinônimo de entrega de comida quentinha aos consumidores dos Estados Unidos, sofreu deterioração nos resultados de suas lojas estabelecidas, por conta de novos concorrentes, e com isso suas ações caíram em 12% no mês passado. Como alertaram executivos da Domino's, o lado econômico dos agregadores de comida delivery é "uma questão em aberto e de longo prazo" - mas por enquanto os novos apps têm caixa para queimar e não existe maneira de prever por quanto tempo essa tendência vai durar.
Como no caso de todos os setores que encaram a chegada de um novo conjunto de agregadores digitais, a ameaça aos restaurantes é clara. Muitos correram a assinar com serviços de entrega, aparentemente prometendo uma boa fatia do dinheiro dos pedidos atendidos a fim de garantir novos fregueses. Mas os aplicativos, com sua maior facilidade para atrair atenção, podem terminar por cima.
Se você estiver pensando em pedir uma pizza na pizzaria mais próxima, a DoorDash terá condições de sugerir uma rede rival, ou de propor uma pechincha. Ou no futuro ela pode simplesmente tirar o comprador do setor de restaurantes de vez e alimentá-lo de uma cozinha em nuvem— uma das novas instalações de baixo custo e construídas especialmente que começam a surgir como fábricas de refeições para o florescente setor de entrega.
Tudo isso indica uma feroz batalha adiante, com os restaurantes tentando manter a vantagem e rechaçar a ofensiva dos novos agregadores digitais, como aconteceu com as gravadoras de música, o varejo ou os jornais, antes deles. As maiores cadeias começaram a enviar sinais ao assinar acordos exclusivos com empresas de entrega, mas parecem estar repensando essa estratégia. O McDonald's, que assinou um contrato com a Uber Eats dois anos atrás, recentemente decidiu testar a DoorDash. Como no caso de todas as lojas digitais, restaurantes menores e com reconhecimento de marca inferior provavelmente sairão derrotados.
Os agregadores ganharão vantagens na negociação quando tiverem escala. Isso garante que muito dinheiro seja queimado em entregas subsidiadas —e que os consumidores felizes possam desfrutar de muito mais comida subsidiada—, antes de a poeira assentar.
Financial Times, tradução de Paulo Migliacci