Acordos do Facebook quanto a dados estão sob investigação criminal
Procuradores públicos federais dos Estados Unidos estão conduzindo uma investigação criminal sobre os acordos quanto a dados que o Facebook assinou com algumas das maiores empresas mundiais de tecnologia, o que reforça o escrutínio sobre as práticas de negócios do gigante mundial das redes sociais, no momento em que a empresa tenta se reerguer depois de um ano de escândalos e revezes.
Um júri de instrução em Nova York intimou pelo menos dois grandes fabricantes de smartphones e outros aparelhos a entregar documentos, de acordo com duas pessoas informadas sobre as solicitações, e que pediram que seus nomes não fossem divulgados por estarem discutindo assuntos jurídicos confidenciais. As duas empresas tinham parcerias com o Facebook, o que lhes dava acesso amplo a informações pessoais sobre centenas de milhões de usuários da rede social.
As companhias estão entre as mais de 150, entre as quais Amazon, Apple, Microsoft e Sony, que tinham acordos de compartilhamento de dados com a plataforma dominante de mídia social do planeta. Os acordos, noticiados anteriormente pelo The New York Times, permitiam que elas tivessem acesso às listas de amigos dos usuários do Facebook, às suas informações de contato e a outros dados, às vezes sem o consentimento dos usuários. O Facebook encerrou a maior parte dessas parcerias, nos dois últimos anos.
"Estamos cooperando com os investigadores, e encaramos esses inquéritos com seriedade", afirmou um porta-voz do Facebook em comunicado. "Demos depoimentos públicos, respondemos a perguntas e assumimos o compromisso de continuar a fazê-lo".
Não está claro quando o inquérito do júri de instrução, supervisionado por procuradores públicos do distrito federal leste de Nova York, começou, ou qual é exatamente o seu foco. O Facebook já está sendo investigado pela Comissão Federal do Comércio (FTC) e pela SEC (Securities and Exchange Commission), agência federal que regulamenta os mercados de valores mobiliários dos Estados Unidos. E a divisão de fraude financeira do Departamento da Justiça americano começou a investigar a empresa depois que surgiu a informação de que a consultoria política Cambridge Analytica havia obtido indevidamente os dados de 87 milhões de usuários do Facebook, e os usado para criar ferramentas que ajudaram na campanha de eleição do presidente Donald Trump em 2016.
O Departamento da Justiça e a procuradoria federal em Nova York se recusaram a fazer comentários.
A investigação sobre a Cambridge Analytica continua ativa e está sendo conduzida por procuradores federais do distrito norte da Califórnia. Um ex-empregado da empresa disse ter sido interrogado por investigadores no final de fevereiro. Ele e três outras testemunhas do caso, falando sob a condição de que seus nomes não fossem revelados, para não irritar os procuradores, disseram que uma das linhas importantes de questionamento envolvia as afirmações do Facebook de que foi iludido pela Cambridge Analytica.
Em declarações públicas, executivos do Facebook afirmaram que a companhia lhes havia informado de estava recolhendo dados para propósitos estritamente acadêmicos. Mas as cláusulas em letrinhas miúdas que acompanhavam o app de pesquisa usado para recolher as informações dispunham que os dados também poderiam ser usados comercialmente. Vender dados sobre usuários constituiria uma violação das regras de uso em vigor no Facebook na época, mas a rede social não parece ter verificado regularmente se os apps que usavam sua plataforma respeitavam essas normas. O Facebook removeu o app de pesquisa de sua plataforma em dezembro de 2015.
As revelações sobre a Cambridge Analytica no ano passado criaram a pior crise na história do Facebook. Depois surgiram reportagens, em junho e dezembro, de que a empresa havia fornecido a parceiros de negócios –entre os quais fabricantes de smartphones, tablets e outros aparelhos– acesso estendido a informações pessoais de seus usuários, permitindo, na prática, que algumas empresas desrespeitassem os limites de privacidade estipulados pelos usuários.
Os acordos de compartilhamento permitiam que o serviço de buscas Bing, da Microsoft, mapeasse as listas de amigos de virtualmente todos os usuários do Facebook sem o consentimento específico deles, e que a Amazon obtivesse nomes e informações de contato de usuários por intermédio de seus amigos. A Apple conseguiu ocultar dos usuários do Facebook todas as indicações de que seus aparelhos estavam solicitando esses dados.
Ativistas da privacidade afirmam que as parcerias parecem violar um acordo assinado entre o Facebook e a FTC em 2011, relacionado a queixas de que a empresa havia compartilhado dados de maneira que enganava os consumidores. Os contratos também parecem contradizer declarações de Mark Zuckerberg e outros executivos do Facebook no sentido de que a empresa havia suspendido já há anos o compartilhamento de dados sobre amigos de seus usuários com desenvolvedores externos de apps.
Funcionários da FTC, que estão investigando há um ano se o Facebook violou o acordo de 2011, agora estão ponderando os contratos entre a empresa e seus parceiros, enquanto negociam uma multa que pode ser multibilionária. A penalidade poderia ser a maior já imposta pela agência regulatória.
O Facebook vem defendendo agressivamente as suas parcerias, afirmando que elas eram permitidas sob uma cláusula de seu acordo com a FTC que tratava de prestadores de serviços - empresas que agiam como extensões da rede social.
A companhia tomou medidas para combater o uso indevido de dados e a desinformação, nos últimos 12 meses. Na semana passada, Zuckerberg revelou um plano para transformar o Facebook em plataforma de comunicações privadas, em lugar de ser uma plataforma para compartilhamento público.
The New York Times, tradução de Paulo Migliacci