Alinhamento ou vassalagem aos EUA?

Tenho a leve impressão que esse excelente jornalista que é Igor Gielow foi moderado ao analisar a presença do chanceler Ernesto Araújo em reunião na Polônia, organizada pelos Estados Unidos, para discutir Oriente Médio.

Para Igor, trata-se de mais um sinal do alinhamento que a gestão Jair Bolsonaro busca com os Estados Unidos. No caso, está mais para vassalagem do que para alinhamento: afinal, o Brasil do momento não tem a menor condição de ajudar a derrubar a ditadura dos aiatolás no Irã, que é o sujeito oculto da reunião na Polônia.

Claro que ter boas relações com os EUA é sempre pertinente. Mas é falsa a lenda urbana de que elas foram ruins nos governos do PT. Ao contrário, chegaram, já com Fernando Henrique Cardoso, a seu melhor nível, e conseguiram melhorar mais com Lula.

Tão boas que Barack Obama ditou a Lula, em carta que a Folha depois reproduziu, os elementos que deveriam constar de um eventual acordo com o Irã que o então presidente brasileiro negociaria em sua viagem a Teerã.

O ponto essencial, explícito na carta, era a transferência de 1.200 quilos de urânio pobremente enriquecido para ser enriquecido no exterior, mas até o nível que não servisse para a bomba e, sim, apenas para fins medicinais.

A lógica era simples: retirada essa quantidade dos depósitos iranianos, a inteligência americana achava que não sobraria o suficiente para fazer a bomba.

O acordo que Brasil, Turquia e Irã assinaram então previa exatamente esse item, além de outros, igualmente propostos por Obama.

É óbvio que os Estados Unidos jamais delegariam tema tão sensível a um governo no qual não tivessem muita confiança. Se o acordo tripartite não foi adiante não muda o fato de que continha o essencial para os americanos, tanto que parte dele foi incorporado depois ao pacto que as grandes potências firmaram com o Irã em 2015.

Tratar agora de alinhar-se (mais) com os Estados Unidos é, pois, uma prioridade inócua, a não ser, repito, que se queira prestar vassalagem.

No caso específico do Irã, convém que o chanceler lembre que John Bolton, com o qual o bolsonarismo tem especial entendimento, previu no ano passado que os aiatolás não comemorariam 40 anos no poder. Estão comemorando nestes dias, impavidamente.

Se quiser mesmo ajudar a estabilizar um pouquinho que seja o grande Oriente Médio, no qual se insere o Irã, o chanceler poderia repetir, no encontro da Polônia, o que escreveu a revista The Economist no número que está nas bancas.

A reimposição de sanções ao Irã, como fez Donald Trump, ao se retirar do acordo das potências com o Irã, de fato empurrou o país persa para uma profunda crise econômica. Mas, lembra a revista, “os mulás permanecem no comando, apesar de guerra, sanções e décadas de inimizade com a América —ou talvez por causa dela".

A pressão sobre o Irã, prossegue The Economist, “vinculou a América mais fortemente a regimes árabes autocráticos, como a Arábia Saudita, que, eles próprios, fomentaram instabilidade e radicalismo. Que ‘clareza moral’ pode a América proclamar quando denuncia abusos a direitos humanos no Irã mas fecha os olhos aos cometidos por seus amigos?”

Duvido que o chanceler brasileiro tenha coragem de dizer algo parecido a Mike Pompeo, na Polônia ou em qualquer outro lugar.

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