Antes de votação, debate sobre aborto acirra Senado argentino
Mais da metade dos senadores argentinos já tinha manifestado sua intenção de votar contra a lei que libera o aborto até a 14ª semana de gestação até a noite desta terça-feira (8).
A sessão para aprovar ou vetar o projeto que já fora aprovado pela Câmara de Deputados, em junho, começou cedo, às 9h30. Quatorze horas depois de iniciada, ainda faltavam seis intervenções para que tivesse início a votação final.
Segundo contagem extraoficial a partir de declarações dos senadores, a vitória do "não" seria de 38 votos a 31, além de uma abstenção e uma ausência por licença-maternidade.
O procedimento é permitido no país apenas em caso de estupro e risco de morte da mãe (no Brasil, além destes, é legal em caso de anencefalia).
Na praça diante do Congresso, foram postas placas de metal e limites até onde podiam ir os celestes, contra o aborto, e os verdes, pró-legalização.
Os verdes vêm sendo mais bem organizados por associações feministas, como a Campanha Nacional contra a Violência Contra a Mulher.
Além dos lenços verdes, elas distribuíram capas de chuva nessa cor (choveu a tarde toda) e montaram tendas de alimentação e um QG no hotel Castelar para os ativistas poderem descansar ao longo da jornada em uma tarde de temperaturas entre 8°C e 11°C.
Já os celestes trouxeram seu principal símbolo, o feto de plástico Alma, além de bandeiras argentinas e cartazes contra o presidente Mauricio Macri, que deu impulso ao início das votações. Havia crucifixos e imagens religiosas.
Enquanto os verdes gritavam “nem uma a menos” ou “aborto legal, no hospital”, os celestes bradavam “sim à vida, aborto não”, e “salvemos as duas Vidas”. Entre as verdes, predominavam adolescentes e mulheres jovens. Entre os celestes, mulheres mais velhas e homens.
Além dos dois lenços que se tornaram febre na Argentina nos últimos meses, passou a circular um laranja, pela defesa do Estado laico. Na multidão, vendedores ofereciam os três ao mesmo tempo.
“Mas o senhor em que crê?”, perguntou a Folha a um deles. “Que todos devem estar felizes, e se a senhora comprar um, vou ficar feliz, qual quer?”.
Do lado de dentro do Congresso, os 60 senadores inscritos para discursar antes de votar ao longo da noite excederam, em sua maioria, os 10 minutos definidos para cada intervenção.
A presidente do Senado e vice-presidente do país, Gabriela Michetti, teve de interromper por cerca de 40 minutos a sessão para acalmar trocas de acusações.
Entre os que haviam se declarado contra a lei, até então, estavam Esteban Bullrich, da aliança governista Mudemos, para quem a maternidade não deveria ser um problema. “Se não houvesse vida, não haveria Senado nem leis.”
Mas quem causou mais polêmica foi o peronista Rodolfo Urtubey, que disse que, depois de votada a derrota da lei, deveria-se tipificar melhor o que é estupro, explicando que aqueles que se realizam com violência, nas ruas são mais graves que os intrafamiliares, que ocorrem em casa.
E explicou: “Às vezes o estupro é um ato involuntário que uma pessoa sofre por parte de um abusador com quem tem uma relação de inferioridade, mas não chega a ser violento”.
Os que defendem a lei têm sido, na maioria, mulheres. A kirchnerista Nancy Gonzáles disse que “a onda verde é imparável”. “Não deveríamos esperar outra geração para aprová-la. Devemos ouvir as meninas aí fora pedindo isso.”
Gladys González, da aliança governista Mudemos, chorou em seu discurso e disse que “sonha para as mulheres argentinas o mesmo que para as minhas filhas, que possam planejar ter seus filhos e possam gozar de seus direitos e se tenham de chegar a ter de fazer um aborto, que seja com segurança e dentro da lei”.
Já a peronista Beatriz Mirkin indagou se as mulheres são “ventres ou seres humanos com direitos”. “Fui votada para legislar e vou legislar pelos direitos da mulher.”
Três ex-presidentes participavam da votação: Carlos Menem (1989-99) e Adolfo Rodríguez Saá (2001), ambos contrários, e Cristina Kirchner (2007-15), favorável. Se houvesse empate, caberia a Michetti, antiaborto, definir.