Assessor de Trump pediu a firma de Israel plano para manipular redes sociais
Um alto funcionário da campanha de Trump solicitou propostas em 2016 de uma empresa israelense para a criação de identidades online falsas, com objetivo de manipular as redes sociais e obter informações para ajudar a derrotar adversários do republicano nas primárias do partido e Hillary Clinton.
A informação foi revelada após em entrevistas com envolvidos e uma análise das cópias das propostas.
O interesse da campanha no trabalho começou quando os russos estavam intensificando seu esforço para ajudar Donald Trump. Embora as propostas feitas pela empresa israelense tenham sido mais restritas que a campanha de interferência lançada por Moscou e pareçam não guardar relação com ela, os documentos indicam que um assessor sênior de Trump teve acesso à promessa de um esforço de manipulação para influenciar os eleitores em favor de Trump.
O assessor em questão, Rick Gates, pediu uma proposta para a utilização de identidades falsas para enviar material direcionado a 5.000 delegados na Convenção Nacional Republicana e influenciá-los, por meio de ataques ao senador Ted Cruz, do Texas, o principal adversário de Trump na época.
Outra proposta descreve pesquisas sobre a oposição e “atividades de inteligência complementar” sobre Hillary Clinton e pessoas próximas a ela, segundo revelam cópias das propostas obtidas pelo jornal The New York Times e entrevistas com quatro pessoas envolvidas na criação dos documentos.
Uma terceira proposta da empresa, Psy-Group, cujos funcionários são ex-agentes de inteligência israelenses, apresentou um plano previsto para durar um mês e que visava ajudar Trump, usando as redes sociais para a expor ou ampliar as divergências entre campanhas e facções rivais.
As propostas, que faziam parte do que o Psy-Group intitulou “Projeto Roma”, usavam pseudônimos para identificar os envolvidos: Trump era “Leão” e Hillary Clinton era “Floresta”. Ted Cruz, que a campanha de Trump temia que pudesse liderar uma revolta em torno da indicação do candidato presidencial republicano, era “Urso”.
Não há evidências de que a campanha Trump tenha feito uso das propostas, e Rick Gates acabou não se interessando pelo trabalho do Psy-Group, disse uma pessoa com conhecimento das discussões, em parte porque outros assessores da campanha já estavam desenvolvendo uma estratégia de mídias sociais.
O dono do Psy-Group, Joel Zamel, chegou a se reunir com Donald Trump Jr., o filho mais velho do presidente, em agosto de 2016.
Investigadores que trabalham para Robert Mueller, o promotor especial que investiga a campanha da Rússia para manipular a eleição de 2016 e a possibilidade de pessoas ligadas a Trump terem conspirado com ela, tiveram acesso a cópias das propostas e interrogaram funcionários do Psy-Group, segundo pessoas familiarizadas com os interrogatórios.
O escopo das campanhas de mídia social, essencialmente um esforço amplo para semear desinformação entre os delegados republicanos e o eleitorado, foi mais amplo que o trabalho normalmente realizado por funcionários de campanha para difundir as mensagens de candidatos em plataformas digitais.
A proposta de reunir informações sobre Clinton e seus assessores possui elementos das pesquisas tradicionais sobre opositores, mas também contém trechos em linguagem cifrada que sugere a utilização de meios clandestinos para montar “dossiês de inteligência”.
Rick Gates tomou conhecimento do trabalho do Psy-Group inicialmente em uma reunião de março de 2016 no hotel Mandarin Oriental, em Washington, com George Birnbaum, consultor republicano com vínculos estreitos com antigos e atuais funcionários governamentais israelenses.
Gates tinha entrado para a campanha de Trump dias antes de Paul Manafort, seu sócio de negócios de longa data, para tentar impedir uma revolta dos delegados republicanos em detrimento de Trump e a favor de Ted Cruz, que era o candidato que tinha a preferência do establishment republicano.
Nessa reunião, segundo Birnbaum, Gates expressou interesse em usar influência e manipulação nas redes sociais como ferramenta de campanha, de modo mais imediato para tentar persuadir os delegados republicanos a apostarem em Trump.
“Ele estava interessado em encontrar a tecnologia para realizar o que eles procuravam”, disse Birnbaum. Por meio de um advogado, Rick Gates se negou a comentar o assunto. Uma pessoa familiarizada com o relato que Gates fez da reunião disse que foi Birnbaum quem primeiro aventou a possibilidade de contratar uma firma externa para conduzir a campanha nas redes sociais.
Manafort e Gates foram indiciados no ano passado pelo promotor especial por acusações múltiplas de fraude financeira e evasão fiscal. Este ano Gates se declarou culpado de várias das acusações e está cooperando com a investigação de Mueller.
Não está claro se as propostas do Projeto Roma descreviam um trabalho que violaria as leis sobre a participação estrangeira em eleições americanas. O Psy-Group contratou a empresa de advocacia Covington & Burlington, de Washington, para realizar uma revisão legal. Stuart Eizenstat, ex-diplomata americano e sócio da firma, participou da revisão legal, mas se negou a comentar suas conclusões.
Birnbaum teria iniciado o contato com Gates, pedindo seu endereço de email ao consultor político Eckhart Sager, que já havia trabalhado com ambos, para propor a Gates uma tecnologia que poderia ser usada pelos clientes de Gates e Manafort na Europa do leste.
O nome de Sager apareceu este ano em um documento da equipe de Mueller que alega que Manafort tentou influenciar o depoimento feito por Sager à Justiça no processo do promotor especial contra Manafort.
Depois da reunião com Gates no hotel em março de 2016, Birnbaum teria trabalhado diretamente com profissionais do Psy-Group para refinar as propostas para a campanha de Trump.
Todas as propostas prometem sigilo absoluto, incluindo o uso de codinomes e documentos protegidos por senhas. Repletas de jargão especializado, elas delineiam uma campanha vigorosa em que profissionais do Psy-Group se encarregariam do trabalho entediante de criar mensagens que influenciassem os delegados republicanos, com base na personalidade deles.
Datado de abril de 2016, o primeiro documento dizia que foi pedido à empresa que apresentasse uma proposta de “serviços de inteligência e influência de campanha”. O Psy-Group prometeu que “agentes de inteligência veteranos” empregariam vários métodos para avaliar as tendências de voto dos cerca de 5.000 delegados à convenção republicana, que escolheria o candidato presidencial do partido.
Depois de vasculhar contas em redes sociais e outras informações disponíveis para compilar um dossiê sobre a psicologia de qualquer delegado passível de ser persuadido, mais de 40 funcionários do Psy-Group usariam identidades online falsas, mas “de aparência autêntica”, para bombardear até 2.500 alvos com mensagens especialmente redigidas com a finalidade de levá-los a votar em Trump.
As mensagens descreveriam os “planos ocultos e segundas intenções” de Ted Cruz, ou então aparentariam vir de ex-partidários de Cruz ou de indivíduos influentes com a mesma ideologia e origem que o alvo. A enxurrada de mensagens continuaria por meses e incluiria abordagens “tanto online quanto offline”, abrangendo até telefonemas.
O Psy-Group também disse que obteria “informações singulares” através de meios diferentes, incluindo “fontes ocultas” e “avatares direcionados”.
Cada abordagem “pareceria autêntica e não parte da campanha paga”, prometeu a proposta. O custo do trabalho passaria de US$ 3 milhões (R$ 11,15 milhões). Para realizar o plano, o Psy-Group pretendia dobrar de tamanho, contratando 50 profissionais adicionais –alguns deles cidadãos americanos— e alugar um novo espaço comercial, segundo ex-profissionais da empresa.
Uma segunda proposta era voltada à coleta de informações sobre Hillary Clinton e dez dos assessores dela, através de dados publicamente disponíveis e também “atividades de inteligência complementares”, não especificadas. O Psy-Group prometeu preparar um dossiê amplo sobre cada um dos alvos, incluindo “qualquer informação litigável”.
Um terceiro documento tratava de “mensagens customizadas para terceiros”, direcionadas a eleitores de minorias, eleitoras dos subúrbios e eleitores indecisos nos estados de maioria incerta. Prometeu criar e manter perfis online falsos que transmitiriam mensagens destacando os méritos de Trump e os pontos fracos de Clinton e revelando “rixas e rivalidades internas da oposição”.
Embora pareça que a campanha de Trump tenha rejeitado todas as propostas, Zamel promoveu os serviços da empresa pelo menos em termos gerais durante uma reunião com Donald Trump Jr no edifício Trump Tower em 3 de agosto de 2016.
Essa reunião, revelada em maio pelo New York Times, também teve a participação de George Nader, emissário do governante dos Emirados Árabes Unidos, e do doador republicano Erik Prince, fundador da empresa de segurança privada antes conhecida como Blackwater.
Ex-funcionários do Psy-Group disseram que antes da reunião no Trump Tower Zamel lhes pediu para redigir uma versão atualizada da terceira proposta. Um advogado de Zamel disse que seu cliente não discutiu propostas específicas pessoalmente com Donald Trump Jr ou qualquer outra pessoa da campanha.
“Zamel não apresentou ou discutiu qualquer das propostas do Psy-Group relativas às eleições americanas com qualquer pessoa ligada à campanha de Trump, incluindo Donald Trump Jr, exceto por ter descrito em termos gerais algumas das coisas que suas empresas poderiam fazer”, disse o advogado, Marc Mukasey.
Nader e Zamel deram relatos divergentes sobre se Zamel acabou realizando ou não o esforço para ajudar a campanha de Trump nas redes sociais e sobre a razão pela qual Nader pagou US$ 2 (R$ 7,43 milhões) milhões a Zamel após a eleição, dizem pessoas que discutiram o assunto com os dois homens.
A razão desse pagamento chamou a atenção de Mueller, segundo fontes informadas sobre o assunto.
Não está claro como e por que o procurador especial iniciou sua investigação sobre o trabalho do Psy-Group, mas agentes do FBI já passaram horas interrogando funcionários da empresa. Este
ano, investigadores federais apresentaram à polícia israelense e ao Ministério da Justiça de Israel uma ordem judicial para o confisco de computadores do ex-escritório do Psy-Group em Petah Tikva, a leste de Tel Aviv. A empresa hoje está falida.
Mark Mazzetti , Ronen Bergman , David D. Kirkpatrick e Maggie Haberman The New York Times