Ataque de babá chinesa em NY põe em evidência turismo-maternidade nos EUA
Círculos escuros se formaram sob os olhos de Yu Fen Wang, como sinais de advertência, quando ela trabalhava turnos de 12 horas em uma espécie de maternidade em Queens, em Nova York, que operava à margem da legalidade. Sua família disse que ela emagreceu, não conseguia dormir e disse ao marido que não queria mais viver.
Seus patrões, porém, disseram que precisavam que ela trabalhasse. E a família precisava do dinheiro. Ela ganhava menos de US$ 100 por dia, segundo eles, trabalhando em uma casa particular que tinha sido transformada numa mistura de creche com hotel para bebês recém-nascidos e suas mães.
Um segredo nada oculto na comunidade de Flushing, esse centro fazia parte de uma indústria subterrânea que atende a uma clientela exigente: mães locais que descansam depois do parto e visitantes que vêm da China para ter bebês nos EUA, prática conhecida como “turismo-maternidade”.
Em 21 de setembro, às 3h40, esses perigos se combinaram com consequências quase fatais, quando, segundo a polícia, Wang esfaqueou três bebês que dormiam em berços no primeiro andar —todas meninas— e dois adultos. Então ela voltou a faca para seu próprio pescoço e punhos.
Todas as vítimas sobreviveram. Mas o ato horrível chamou a atenção para um bolsão de imigrantes em Nova York, onde uma rede frouxa de empresas atende a mães e bebês no primeiro mês frágil e crucial após o parto, mas atua sem qualquer supervisão do governo.
O centro, Mei Xin Care, é um de dezenas na área que variam muito em instalações e qualidade, deixando os funcionários com poucas vias para se queixar e as famílias com pouco para orientá-las além do boca a boca, anúncios na internet e confiança cega.
“Há vítimas em todos os lados do espectro”, disse o vereador democrata Ron Kim, que representa Queens.
Centros como esse —que também era conhecido como Mei Bao, ou “bebê lindo” em chinês oferecem dois serviços. O primeiro é para mães imigrantes recém-chegadas que praticam uma tradição chinesa de mil anos em que elas se recuperam durante um mês depois do parto enquanto outras mulheres, chamadas “titias”, cuidam dos bebês.
As autoridades disseram que os centros também oferecem assistência a mulheres da China que desejam dar à luz nos EUA para conseguir a cidadania imediata para seus filhos, o que é legal sob a lei de imigração.
Há cerca de 40 dessas maternidades —em residências e apartamentos particulares— que anunciam seus serviços online na área de Nova York e Nova Jersey, e quase 20 delas no bairro de Flushing.
No Mei Xin Care, os funcionários são pagos sem registro, segundo a família de Wang. Uma das babás, Darong Wang, 63, conseguiu o emprego apesar de ter sido presa em maio por promover a prostituição em uma casa de massagens no centro de Flushing.
Ela sofreu cortes no ataque cometido por Wang e precisou levar 20 pontos no rosto; o pai de uma criança recebeu facadas na perna e no pulso.
Quente e apertado
O crime ocorreu em um prédio de apartamentos de três andares, de tijolos com varandas de metal branco, nos arredores de Flushing. Sua única publicidade era na internet, em uma espécie de Craigslist para a comunidade chinesa local.
Mei Xin Care parece ser uma combinação dos nomes de dois proprietários: Meiying Gao e Xuexin Lin. Agências de empregos locais disseram que os donos estão nesse ramo há cerca de dez anos, mas abriram a última casa em 2016, quando registros da prefeitura mostram que compraram o prédio por US$ 1,5 milhão. Procurados por telefone, os donos não quiseram comentar.
Uma vizinha disse em uma entrevista que via um fluxo constante de clientes chegando, às vezes em, carros elegantes.
Algumas delas estariam seguindo o costume de descanso durante um mês após o parto. O período termina com uma comemoração do ovo vermelho, que marca a sobrevivência do bebê em suas primeiras semanas de fragilidade, disse Margaret Chin, professora de sociologia no programa de estudos asiático-americanos do Hunter College.
Os centros são uma alternativa a conseguir vistos para que parentes possam vir aos EUA, ou a parturiente voltar à China, onde os serviços de saúde são muitas vezes menos sofisticados. Por vários milhares de dólares, as novas mães têm acesso a babás e cozinheiras 24 horas por dia.
Michael Cheng e sua mulher, nascida em Xangai, que moram em Flushing, pensaram em usar o centro para o período de recuperação dela. Eles percorreram a instalação duas vezes na primavera e receberam uma cotação de US$ 4.800 (R$ 18 mil) —em dinheiro.
Cheng disse que os bebês dormiam no primeiro andar, enquanto as mães dormiam em pequenos quartos no segundo e terceiro andares.
Ele lembra que viu de cinco a seis funcionárias, que deviam ter entre 40 e 50 anos. “Elas trabalhavam em turnos de 24 horas”, disse ele. “Imagino que fosse um emprego muito estressante.”
Cheng disse que sua mulher, que não quis dar o nome, falou com algumas das internas nos andares superiores, uma da China e outra que era de Nova York. “Antes de sairmos, eu disse à minha mulher: ‘Você tem certeza de que gosta deste lugar?’”, disse Cheng em uma entrevista. “Eu achei abafado lá dentro.”
Ele ficou desconfiado e pediu para ver uma licença. Os donos enviaram uma cópia de um certificado genérico de funcionamento de empresa e outro de nutrição materna.
“Pensando melhor”, disse ele, “se falassem mais sobre esses centros, e as pessoas soubessem que eles são obrigados a pendurar suas licenças bem na frente, algum tipo de regulamentação a respeito, talvez ajudasse.”
Afinal, o casal não teve uma boa impressão do Mei Xin Care e optou por passar o mês na casa dos pais de Cheng em Long Island depois que sua filha nascesse. Eles receberam de volta o depósito de US$ 800 (R$ 3.000) quando outra mãe ocupou rapidamente o lugar.
Atalho para a cidadania
Depois do ataque a faca, Flushing ficou em polvorosa. Em igrejas, praças de alimentação e nas ruas cheias placas coloridas em chinês, os moradores temiam que o incidente provocasse atitudes anti-imigrantes contra sua comunidade.
Outros lamentaram o segundo objetivo do centro, facilitar o caminho para o turismo-maternidade. “Elas não deveriam entrar por meio de esquemas”, disse Catherine Chan, 50, dona de um bar em Queens e que já trabalhou em Wall Street.
Ela veio da China para os EUA com 6 anos, depois de um longo processo que envolveu patrocínio da família, segundo disse. “Não há atalhos.”
O turismo natal é um fenômeno conhecido. Nos últimos anos, atraiu principalmente mães abastadas da China, Coreia, Rússia, Turquia, Egito e Nigéria, para obter a cidadania por direito de nascimento, o que o presidente Donald Trump prometeu eliminar.
Pode ser legal, desde que as estrangeiras grávidas que solicitam o visto declarem sua intenção de dar à luz quando estiverem nos EUA e provem que podem cobrir os custos. Se elas esconderem seu verdadeiro objetivo para viajar podem estar sujeitas a fraude de visto.
Esses centros escapam das categorias de licenciamento e zoneamento urbano e estadual. Eles não se qualificam como creches porque as mães ficam no local; eles não precisam de licença médica porque os donos oferecem práticas nutricionais chinesas.
“Não há uma categoria real para esse tipo de atividade, e eles se aproveitam e pedem uma licença de funcionamento geral e fingem que isso basta para seus clientes”, disse Kim, o vereador.
Embora os vizinhos do Mei Xin Care tenham feito queixas de que ele funcionava como um hotel, os inspetores de edifícios da cidade tiveram o acesso negado por três vezes, o que automaticamente encerra a queixa. Os vizinhos podem pedir uma intimação para obter uma inspeção completa, mas os registros da prefeitura mostram que isso não aconteceu.
O Escritório de Serviços para Famílias e Crianças do estado, o Departamento de Serviços a Crianças da cidade, o Departamento Estadual de Saúde e o Departamento Municipal de Saúde disseram que esses centros não recaem sob sua supervisão.
A polícia fechou o Mei Xin Care depois do ataque, mas menos de três semanas depois o centro parece ter reaberto. Mulheres eram vistas pelas janelas, e uma pilha de fraldas do lado de fora.
Ela queria morrer
Depois de passar a maior parte da vida na província pobre de Fujian, no sudeste da China, Yu Fen Wang, 52, buscava um futuro melhor. Quando seu marido, Peter, conseguiu um visto de trabalho nos EUA, levou os dois filhos adultos e a mulher para Nova York em 2010.
Lá, os Wang mergulharam em uma comunidade vibrante de imigrantes de Fujian. Peter trabalhava em restaurantes, assim como os dois filhos. Yu Fen Wang começou a fazer faxina em casas e a cuidar de crianças para famílias. Cerca de dois anos depois, começou a trabalhar na primeira sede da Mei Xin Care perto do centro de Flushing.
Seu marido sofria de dor na perna, o que dificultava muito seu trabalho, disse ele, por isso o fardo de prover a família recaiu sobre Wang. Quando ela voltava para casa depois de cuidar dos bebês, também cuidava de seus três netos pequenos.
Seu filho Danny disse que há cerca de seis meses a família percebeu uma mudança em Wang. Ela começou a esquecer as chaves e o telefone em casa. Tornou-se distraída e não conseguia dormir. Também emagreceu muito.
Há cerca de dois ou três meses, Wang disse ao marido que sua vida não tinha sentido e que ela queria morrer, segundo seu filho. Peter Wang insistiu que ela tirasse duas semanas de folga. Todos sabiam que sua irmã mais velha na China tinha tentado cometer o suicídio.
Danny Wang disse que sua mãe procurou um médico, que lhe prescreveu remédios para dormir e um tranquilizante.
Foi quando os donos da Mei Xin a chamaram para voltar ao trabalho no turno das 8h às 20h, contou sua família. Ela se sentiu moralmente obrigada, apesar dos protestos da família. “Justo ou não, não pudemos fazer nada sobre isso”, disse Danny. “É apenas a realidade.”
Wang parecia viver em uma realidade separada e sombria. Sua advogada, Jean Wang, que não é parente, disse que pretendia alegar insanidade. “Ela não foi tratada, e afinal explodiu”, disse a advogada.
Acusada de cinco instâncias de tentativa de homicídio, Wang se declarou inocente e está sob vigilância contra suicídio no presídio de Rikers Island.
Na cadeia, segundo sua família e a advogada, Wang tornou-se ainda mais isolada e perturbada. Ela tentou se matar batendo a cabeça na parede. Uma porta-voz do serviço de penitenciárias da cidade disse que não podia comentar o estado de saúde mental de Wang por causa das leis de privacidade.
Quando a primeira tentativa falhou, disse a advogada, Wang tentou arrancar a própria língua com mordidas, uma forma de suicídio tipicamente chinesa. Mas não conseguiu.