Bolsonaro fisgou eleitor Fish TV, mas seu barco balança demais
Quem já passou zapeando pela Fish TV sabe do que se trata. O canal por assinatura mostra um Brasil que deu certo, com gente confiante e paramentada de pescador em cidades do interior. Se fosse dublado em inglês, o programa passaria por americano.
Foram pessoas como essas que elegeram Jair Bolsonaro. O presidente eleito arrebentou no Centro Oeste, no Norte e no Sul rurais e no interior do estado mais populoso do país, São Paulo, onde sua votação foi muito superior à da capital (70,8% a 60,4%).
Bolsonaro também conquistou 77,4% dos votos das cidades com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) “muito alto” e 66% nas com o índice “alto”, onde as pessoas provavelmente têm dinheiro e tempo para pescarias.
Aparentemente, foi o discurso liberalizante que serviu de isca para fisgar esses eleitores, dependentes do trabalho e do empreendedorismo. E que, durante vários anos até Dilma Rousseff, experimentaram melhora de vida como resultado do esforço pessoal.
A promessa de enxugamento do Estado, menos impostos e corrupção e mais liberdade para fazer negócios os trouxe para o barco de Bolsonaro. Mas não será trivial não decepcioná-los, já que há furos por todos os lados e uma carga pesada de despesas e dívidas.
Na noite da eleição, Paulo Guedes, futuro superministro da Economia, falou sobre os problemas a bordo:
"Primeiro grande item é a Previdência. Precisamos reformar. O segundo grande item do controle de gastos públicos, a despesa de juros. Vamos acelerar as privatizações, porque não é razoável o Brasil gastar US$ 100 milhões por ano em juros da dívida. O Brasil reconstrói uma Europa todo ano, o Plano Marshall, que tirou a Europa da miséria do pós-guerra, sem conseguir sair da miséria”.
Por trás do diagnóstico, há o fato de a despesa primária federal (e aqui não entram juros) ter crescido 6% ao ano acima da inflação nos últimos 20 anos, elevando brutalmente a necessidade de o país se endividar para financiar esses gastos.
Pior, com a exceção de políticas sociais focalizadas como o Bolsa Família (0,8% do orçamento federal), não há muita evidência de que o aumento indiscriminado da despesa tenha melhorado o básico, como segurança, saúde e educação.
Olhando para isso sem partidarismo, é razoável que o Brasil persiga esse caminho de diminuição dos gastos públicos, hoje sem controle, e de aumento da eficiência da máquina.
Trata-se, acima de tudo, de aritmética: o orçamento não suporta tanto gasto sem que o endividamento cresça, obrigando o país a torrar o tal Plano Marshall anual em juros pagos a pouquíssimas pessoas. A aposta nesse caminho é que haja aumento da confiança de empresas e consumidores, estimulando a atividade econômica que está meio parada, mas em boas condições de reagir.
A inflação está baixa, há enorme capacidade ociosa nas empresas para crescermos sem pressão de preços, as contas externas estão em ordem e os juros reais, relativamente baixos. Numa última imagem temática, há um motor em boas condições no barco.
A questão agora é se a nova tripulação terá competência e coordenação. Mas já deu um certo enjoo o nível de cabeçadas antes mesmo da largada.