Com doadores ocultos, organização democrata mira deputados republicanos

O painel ocupava a lateral toda de um caminhão com uma imagem do deputado federal republicano Vern Buchanan, da Flórida, usando um quepe de iatista. Keith Fitzgerald, um político local convidado pela organização Floridians for a Fair Shake, discursou diante do veículo e detonou o histórico do legislador.

Buchanan personifica "corrupção profunda e destrutiva", disse Fitzgerald à pequena audiência do evento. A caricatura náutica de Buchanan, um rico dono de concessionárias de automóveis, era uma alusão à sua compra de um iate de milhões de dólares no mesmo dia em que votou a favor de um projeto de lei que reduzia a alíquota do imposto de renda dos ricos.

A Floridians for a Fair Shake vinha criticando Buchanan há meses, com publicidade paga, trabalhadores de campanha e eventos como o descrito, realizado em um domingo recente em um estacionamento à beira de uma praia. Mas Fitzgerald, que foi deputado estadual pelo Partido Democrata e era uma espécie de convidado de honra da ocasião, admitiu: "Honestamente, não sei muita coisa sobre essa organização".

"Eles me disseram o que estavam fazendo", ele prosseguiu. "Mas não estou muito seguro sobre de onde vem o dinheiro".

A Floridians for a Fair Shake e outras 13 organizações espalhadas pelos Estados Unidos formam uma estrutura desconhecida mesmo para alguns dos envolvidos, são bancadas e coordenadas de um só escritório em Washington, e o objetivo de suas atividades é atacar violentamente os republicanos por suas políticas econômicas e de saúde, na campanha para a eleição legislativa americana da semana que vem.

No centro desse esforço está uma organização democrata de nome opaco, o Hub Project, que desde 2017 vem realizando gastos que atingirão quase US$ 30 milhões (R$ 111 milhões), em propaganda que pressiona congressistas em seus distritos eleitorais. A vasta maioria dos fundos é formada pelo chamado "dark money", verbas obtidas de doadores que não têm a obrigação legal de revelar seus nomes.

Com esse dinheiro, o Hub Project —uma iniciativa comandada por um antigo integrante do governo Obama e especialista em relações públicas, Leslie Dach, e por Arkadi Gerney, ex-estrategista político do Center for American Progress, uma organização progressista— criou uma rede de organizações afiliadas em todo o país, muitas das quais com nomes imprecisos mas que evocam sentimentos positivos, como Keep Iowa Healthy (mantenha Iowa saudável), New Jersey for a Better Future (Nova Jersey por um futuro melhor) e North Carolinians for a Fair Economy (cidadãos da Carolina do Norte por uma economia justa).

O Hub Project recorreu a essas organizações para mobilizar voluntários e veicular propaganda sobre questões de política pública contra congressistas republicanos, começando muitos meses antes da eleição.

Mais de uma dúzia dos legisladores que constam da lista de alvos da organização estão entre os deputados mais ameaçados de não conseguir reeleição este ano, entre os quais Rod Blum, de Iowa; Bruce Poliquin, do Maine; Steve Knight, da Califórnia; e George Holding, da Carolina do Norte.

Essa ofensiva silenciosa incorporou duas das escolhas estratégicas mais importantes dos democratas para a eleição de 2018. A primeira foi centrar a mensagem do partido nas questões de saúde pública e de impostos. E a segunda foi a decisão de intensificar os esforços de arrecadação em eleitores da fortalecida ala à esquerda, com objetivo de desafiar candidatos republicanos mesmo em áreas de inclinação conservadora.

Diversos operadores democratas envolvidos com a organização comparam seu papel ao da Americans for Prosperity, uma rede de ação conservadora bancada pelos irmãos Koch, dois empreendedores bilionários, durante os mandatos de Barack Obama, ainda que em escala significativamente menor.

Embora algumas das atividades visíveis da organização nesta campanha eleitoral tenham sido noticiadas anteriormente, o Hub Project ainda não tinha discutido publicamente a escala de seus esforços ou falado extensamente sobre eles a jornalistas.

Gerney, o diretor-executivo da organização, disse em entrevista que a iniciativa de direcionar publicidade a dezenas de distritos eleitorais da Câmara havia sido concebida de forma a manter o foco na agenda legislativa republicana, em uma eleição fortemente dominada pela personalidade do presidente Donald Trump.

Ele descreveu a ideia como um teste para uma teoria mais ampla para a posição política dos democratas, focada em ataques contínuos contra as políticas do Partido Republicano, e não em Trump.

"O ambiente de mídia é muito caótico e, compreensivelmente, muitas pessoas vivem atrás do que Trump posta no Twitter", disse Gerney. "Mas para a maioria dos cidadãos, a saúde pública, as finanças familiares e seu futuro econômico são as coisas que realmente importam".

Gerney não mostrou ambivalência quanto a usar contribuições de fontes ocultas —prática que tradicionalmente gera indignação entre os democratas- para buscar punir os republicanos pela reforma tributária do ano passado, que reduziu a carga de impostos em US$ 1,5 trilhão (R$ 5,6 trilhões), e por suas tentativas de revogar a Lei de Acesso à Saúde.

"Não acreditamos em desarmamento unilateral", disse Gerney.

Ele e outros estão envolvidos no projeto, que foi feito em fases. Começou por cinco distritos eleitorais da Câmara na metade de 2017, e depois se expandiu para um mapa de 19 outros distritos nos 11 meses seguintes.

Em alguns dos distritos, as afiliadas estaduais do Hub Project já estavam veiculando propaganda paga meses antes que outras organizações externas se envolvessem —e antes que os congressistas se mobilizassem para se defender.

No segundo distrito eleitoral da Carolina do Norte, a North Carolinians for a Fair Economy gastou cerca de US$ 736 mil (R$ 2,7 milhão) em anúncios com críticas a Holding, deputado federal que está em seu terceiro mandato, em um distrito de inclinações conservadoras; a mensagem usada para pressionar o republicano em comerciais de TV era a de que ele deveria "parar de aumentar o custo da saúde".

Carter Wrenn, assessor político de Holding, disse que o ataque aconteceu de emboscada, e forçou o deputado a veicular um comercial em defesa de seu retrospecto.

"Eles fizeram o primeiro grande ataque contra George", disse Wrenn, acrescentando que tentou sem sucesso identificar os responsáveis. "Tentamos descobrir quem eram eles, mas não há muito que se possa descobrir sobre quem os financia e quem eles são, exatamente".

Holding está tentando a reeleição, contra a democrata Linda Coleman.

Há algumas pistas sobre a fonte das verbas dessas campanhas. Em junho, o site noticioso Politico reportou que uma "obscura organização sem fins lucrativos" chamada Sixteen Thirty Fund estava canalizando milhões de dólares para organizações ativistas estaduais, entre as quais a Floridians for a Fair Shake.

A mesma organização sem fins lucrativos banca diversas outras iniciativas associadas ao Hub Project, entre as quais a Protect Our Care [proteja nosso sistema de saúde], e a Not One Penny [nem um centavo], que organiza oposição às políticas tributárias republicanas.

Gerney confirmou que o Hub Project controla o dinheiro que flui do Sixteen Thirty Fund para as organizações ativistas estaduais, mas a organização sem fins lucrativos não tem obrigação de revelar a fonte de suas verbas.

Gerney também confirmou que o Hub Projeto controla um comitê de ação política chamado Change Now [mudança já], que vem bancando propaganda contra uma lista menor de distritos representados por republicanos, e que inclui alguns dos mesmos alvos. A organização apresentou um relatório à Comissão Eleitoral Federal americana no qual declara ter recebido US$ 1,75 milhão (R$ 6,5 milhão) da Liga de Eleitores Conservacionistas, uma influente organização ecológica, e diversas pessoas envolvidas com o esforço disseram que futuros relatórios devem mostrar contribuições de sindicatos nacionais.

Tiffany Muller, presidente da End Citizens United, organização democrata que luta por regras mais severas para o financiamento de campanhas eleitorais, disse que as contribuições de "dark money" são em geral impopulares com os eleitores. Mas reconheceu que organizações com nomes "realmente inócuos, como Americanos por uma América Melhor", podem deixar marcas duradouras no eleitorado, em parte porque são percebidas como independentes dos candidatos.

"Eles [os eleitores] realmente não gostam do 'dark money' e desses gastos políticos", disse Muller. Ao mesmo tempo, afirmou, pesquisas indicam que "os eleitores confiam mais em propaganda de organizações externas do em propaganda dos candidatos".

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