'Brasil não mudou nada', diz João Gordo nos 30 anos de disco do Ratos de Porão
Dizem que discos clássicos não envelhecem. Agora a banda Ratos de Porão está colocando essa velha máxima à prova.
Lançado em 1989 e considerado por muitos fãs o melhor trabalho do grupo, o álbum “Brasil” ficou conhecido por suas músicas recheadas de conteúdos críticos e questionamentos em relação à política e à sociedade da época.
Para celebrar os 30 anos do disco, João Gordo e a banda punk paulistana resolveram lançar a turnê “Brasil 30 Anos”, na qual tocam o álbum na íntegra —mas não só: também mostram as coincidências entre o Brasil do fim dos anos 1980 e o país atual.
“A gente já chegou a fazer shows esporádicos tocando o disco e os fãs piraram. Mas agora é diferente. Mais do que nunca, as músicas se encaixam perfeitamente neste momento político. Elas ganharam força”, diz Gordo.
“Você pega as letras e pensa: caralho, isso é assustador. Parece que foram escritas ontem”, continua o músico. “Não vou dizer que fui uma Mãe Dináh e que previ esse futuro bizarro que acabou virando o nosso presente. É que o Brasil não muda de jeito nenhum. Não importa se é Bolsonaro ou qualquer outro político no poder”, reflete.
De fato, grande parte das letras trazem frescor, mesmo passados 30 anos, e reverberam no noticiário de Brasília. A faixa “Retrocesso”, por exemplo, tem os versos “Cuidado com o poder/ do regime militar./ O tempo vai retroceder [...] Ame-o ou deixe-o./ Essa era a solução/ de Médici e sua corja/ imposta para o povo do.../ Brasil”.
Em “Amazônia Nunca Mais”, Gordo canta: “O homem branco com o seu sujo poder/ escravizou e prostituiu./ Se aproveitou da pura inocência/ dos verdadeiros filhos do Brasil”. Já em “Farsa Nacionalista” ouvimos: “A pátria armada nas mãos dessa cambada/ de extrema-direita, T. F. P./ Ficará manipulada por burgueses moralistas/ e não há lugar para você”.
Na época, as composições faziam referências aos governos da ditadura militar, mas os membros da banda concordam que elas servem na medida para a atual Presidência, o flerte com o autoritarismo, o slogan nacionalista e os planos de flexibilizar o porte de armas e afrouxar a demarcação de terras indígenas.
“A capa do disco é uma profecia também. É só você reparar. Foi feita há três décadas, mas 2019 está inteiro desenhado ali”, acredita Gordo. Na ilustração, um homem descalço segura uma bola em um campo de futebol. Em volta, em preto e branco, policiais espancam pessoas, padres cometem abusos sexuais, tanques marcham pelas ruas.
A estreia da turnê “Brasil 30 Anos” ocorreu em 13 de abril no Circo Voador, no Rio de Janeiro. Neste sábado (20), a banda se apresenta no Recife, no Abril Pro Rock. Já no próximo dia 27, eles tocam em São Paulo. Até junho, o giro passará ainda por Porto Alegre, Mariana (MG), Brasília, Belo Horizonte, Joinville (SC) e São José dos Campos (SP).
Enquanto a banda está na estrada, os integrantes seguem atentos às notícias que surgem em Brasília e ao futuro político do Brasil.
“A gente acha que o país vai melhorar, mas não vai. Escrevi isso há 30 anos e nada mudou. O pessimismo é geral. Não tem esperança, porque não existe mais esperança em lugar nenhum. O Brasil só vai mudar quando cair um meteoro aqui. Aí acaba ladrão, corrupção, acaba tudo.”