Brasil não vai entrar na guerra comercial entre China e EUA, diz Guedes
O Brasil quer abrir seu mercado radicalmente e não vai entrar na guerra comercial entre Estados Unidos e China. Esse foi o recado do ministro da Economia, Paulo Guedes, a uma plateia de investidores e empresários reunidos na US Chamber of Commerce nesta segunda-feira (18).
Guedes também disse que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) é o único presidente que tem colhões para controlar o gasto público no Brasil.
“Como disse o ministro Ernesto Araújo [Relações Exteriores], nós somos um país do Ocidente, somos uma democracia e sabemos quem nos inspira. Mas os Estados Unidos vêm fazendo comércio com a China há décadas, por que nós não podemos fazer?”, questionou.
“Sabe quem tem mais investimento direto aqui nos Estados Unidos? Os chineses. Então por que nós não podemos fazer comércio com a China e deixar que eles invistam no Brasil em ferrovias para transportar nossa soja?”
Os EUA vêm pressionando vários países do mundo a reduzir sua exposição à China e vetar a compra de equipamentos de telecomunicações da Huawei, que consideram uma ameaça à segurança.
Autoridades americanas já levantaram o assunto com o governo brasileiro.
Dentro do governo, há uma queda de braço entre a ala mais ideológica, ligada a Araújo e ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que enxergam a China como uma ameaça estratégica, e outra mais pragmática, que inclui a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e Guedes.
A China absorve 36% das exportações do agronegócio brasileiro.
Apesar de reiterar o objetivo do Brasil de se aproximar dos EUA e se alinhar ao país comercialmente e geopoliticamente, Guedes deixou claro que acha a política comercial americana injusta.
Ele relatou ter mantido conversas duras com o representante de Comércio (USTR), Robert Lighthizer.
“Lighthizer acha que a gente é a China e eu expliquei, não, o Brasil tem déficit comercial com os EUA”, disse.
“Disse a ele: Se vocês querem vender porco, nós queremos vender carne; se vocês querem vender etanol, nós queremos vender açúcar.”
A carne bovina brasileira in natura está impedida de entrar no mercado americano desde 2017, e o açúcar está sujeito a uma cota que representa 1% da exportação total brasileira.
Já os EUA querem redução na tarifa do etanol no Brasil e abertura do mercado para carne suína.
Além disso, os Estados Unidos impuseram cotas para a exportação de aço do Brasil e outros países, e ameaçam baixar tarifas sobre as autopeças —Brasil exporta cerca de US$ 1 bi por ano para os EUA.
“Eu sei que parece louco, estamos imersos em uma guerra comercial global, e autoridades americanas me perguntam: Vocês tem certeza de que vão abrir a economia no meio de uma guerra comercial global, enquanto todo mundo está tentando roubar empregos um do outro?”, contou.
“Expliquei que a gente estava dormindo nos últimos anos e precisamos nos integrar à economia mundial. Se abrirmos um pouco nossa economia, teremos um monte de progresso.”
Guedes afirmou que o Brasil gasta US$ 100 bilhões (R$ 380 bilhões) ao ano em pagamento de juros da dívida, o equivalente a um Plano Marshall (de recuperação da Europa após a Segunda Guerra).
“Isso acontece porque nenhum presidente jamais teve colhões de cortar os gastos públicos. O presidente Bolsonaro é o único que tem colhões para cortar o gasto público.”
Segundo Guedes, a imagem de Bolsonaro no exterior é distorcida por relatos da mídia tradicional e o presidente não é autoritário nem abraça políticas extremistas. “Ele sabe a importância da democracia”, disse.
Em seu discurso de 40 minutos em inglês, o ministro da Economia afirmou que o Brasil de hoje é “uma aliança de valores e princípios entre conservadores e liberais [economicamente], em um regime de centro-direita”.
Guedes cobrou dos EUA apoio à entrada do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico), o clube dos países ricos. Essa é a principal demanda do governo brasileiro na viagem, mas existem resistências dentro da Casa Branca.
“Ajudem-nos a entrar na OCDE, é inacreditável, mas os EUA são o único obstáculo à nossa entrada. Era compreensível quando nós estávamos na via da esquerda, mas agora estamos na via da direita, então não merecemos o mesmo tratamento que tínhamos antes.”
Na visão de empresários e consultores presentes ouvidos pela Folha, o conteúdo do discurso foi muito bem recebido e era exatamente o tom reformista que eles desejavam.
Um dos objetivos de Guedes era desfazer a imagem de radical que Bolsonaro tem em certos círculos nos EUA, principalmente agora que os democratas ganharam o controle na Cãmara e têm poder de bloquear ou pelo menos atrapalhar algumas iniciativas.
“As pessoas diziam na campanha que Bolsonaro era grosso, tinha maus modos, mas ele tem bons princípios. Tem gente que tem bons modos e princípios ruins.”
Também tentou tranquilizar aqueles que acham que Bolsonaro não está 100% convencido da necessidade de reformas econômicas ambiciosas e politicamente impopulares pregadas por Guedes, como a da Previdência.
“Sabemos das preferências do presidente, mas ele tomou para si a responsabilidade e nos dá total apoio.”