Brasil revela jogadores, mas precisa integrar base e profissional
Das 38 nacionalidades de jogadores escalados nas oitavas de final da Liga dos Campeões, nenhuma apareceu mais vezes do que a brasileira. Foram 26 em dez clubes. Também são 26 os franceses, mas 10 deles são do Lyon e dois do PSG.
Em dezembro, levantamento da Folha já havia mostrado a supremacia brasileira. Na fase de grupos, havia 45 brasileiros e 37 franceses.
A Europa descobre talentos que o Brasil nunca ouviu falar ou não percebeu o tamanho antes de os vender.
Caso de Tiquinho, do Porto. Agenciado pelo ex-jogador Deco, atuou pelo América-RN e Botafogo-PB. Seu criadouro foi o Centro Sportivo Paraibano, CSP. Só há 12 estados representados nas Série A e B do Brasileiro. A Paraíba não faz parte desse mapa. Está no radar dos observadores europeus.
Não está aqui o problema.
Está nos jogadores que pertencem ao mapa e só chamam a atenção quando chegam à Europa. Há dois anos, David Neres teve sua venda para o Ajax defendida sob o argumento de que não se sabia onde poderia chegar. Com Militão foi diferente. O São Paulo sabia que era bom e tentou renovar seu contrato. A resposta foi negativa. Nesta semana, Militão foi vendido por 50 milhões de euros, do Porto para o Real Madrid. Tanto David Neres quanto Militão integraram uma lista de dispensa do São Paulo, aos 17 anos.
Por que o Brasil, torcida, imprensa e dirigentes, só descobre o nível desses jogadores quando já estão na Europa?
“Por causa da política dos clubes para a base. O trabalho de formação melhorou muito nos últimos dez anos. Mas é preciso que exista integração entre o time principal e o de baixo. Ou vamos sempre perder talento aqui e descobrir na Europa.” A frase é de Júnior Chávare, que dirigiu os departamentos de formação do Grêmio e do São Paulo.
Ele se lembra de reuniões, no Grêmio, nos momentos de contratações. Em alguns casos, a base dizia já ter uma opção. Precisava só de tempo para lançar. Foi o caso de Arthur. Renato Gaúcho procurava um meio-campista. Chávare avisou que teria o menino pronto em até três meses. O Grêmio evitou contratar um veterano com contrato de dois anos, porque teria o substituto melhor e mais barato.
Os contrapontos são Flamengo e Palmeiras. No final de 2018, o cálculo era de que o rubro-negro gastava R$ 19 milhões anuais com a base. No jogo seguinte ao incêndio que matou dez adolescentes no Ninho do Urubu, o time titular não tinha ninguém formado lá.
O Flamengo gastou R$ 108 milhões para comprar Rodrigo Caio, De Arrascaeta e Bruno Henrique. Na última lista de Tite, os representantes do Flamengo na seleção foram Vinicius Junior e Lucas Paquetá. Os dois estão na Europa.
Seria mais caro manter Paquetá e Vinicius ou comprar De Arrascaeta, Bruno Henrique e Rodrigo Caio? É claro que o Brasil vai vender. O desafio é descobrir e manter por mais tempo. A chance é melhorar a transição da base e tornar o Brasileiro relevante.
Entre 1983, quando Zico inaugurou o grande êxodo, e 2013, quando Neymar se foi, repetimos o discurso da venda inevitável, por causa da economia do país. Em 2013, Cristiano Ronaldo recebia 10 milhões de euros anuais no Real, Gotze trocou o Borussia pelo Bayern para ganhar 7 milhões de euros, e Neymar arrecadava 12 milhões de euros no Brasil, graças a um contrato com o Santos que lhe dava 90% do marketing.
Naquela época, Neymar trocou o Brasileiro pela Champions. Justo. Hoje troca Paris por Mangaratiba, nas folgas.
Uma parte do Brasil da Liga dos Campeões ficaria aqui, se o Brasil os descobrisse ou quando aqui houver um grande campeonato.