Choque entre EUA e Turquia expõe crise na ordem mundial
Após a imposição de medidas para regular o mercado de derivativos de câmbio e do anúncio de uma ajuda de US$ 15 bilhões do governo do Qatar, a lira turca valorizou-se em 5% em relação ao dólar nesta quarta-feira (15), recuperando uma pequena parte da queda livre que sofreu nos últimos dias.
O estancamento da crise cambial foi encarado com algum ceticismo por analistas, que ainda temem um possível efeito de contágio sobre outras economias periféricas, incluindo a nossa.
Para além dos efeitos sofridos pelas moedas de todos os países emergentes com as expectativas de aumento da taxa de juros nos EUA e a consequente reversão dos fluxos de capitais especulativos nos mercados mundiais, a lira absorveu o impacto do anúncio pelo presidente Donald Trump, na sexta (10), de que dobraria as tarifas de importação sobre aço e alumínio turcos como forma de pressionar o governo de Erdogan a libertar da prisão o pastor evangélico americano Andrew Brunson.
Em retaliação, o vice-presidente turco anunciou nesta quarta (15) que também aumentará substancialmente as tarifas de importação sobre produtos americanos, como álcool, automóveis, cosméticos, tabaco, arroz e carvão.
As medidas, que configuram mais um episódio da guerra comercial que vem marcando a geopolítica desde a eleição de Trump, parecem dar razão às análises que têm relacionado a atual crise democrática com a crise da globalização.
O duelo comercial entre dois titãs autoritários parece dar concretude à analogia feita pelo economista Thomas Palley no artigo intitulado “Globalization checkmated: political and geopolitical contradictions coming to roost”, publicado em julho deste ano, em suas diversas dimensões.
“O desafio à globalização pegou os economistas de surpresa. De muitas maneiras, há paralelos entre a fé dos economistas na globalização e a hipótese do ‘fim da história’ de Francis Fukuyama”, escreveu Palley.
Após a queda do Muro de Berlim, em 1989, Fukuyama profetizou que a democracia liberal de livre mercado se tornaria a “forma final de governo humano, para a qual todos os países irão convergir agora”.
A hipótese foi desmentida pelo crescimento do fundamentalismo islâmico no Oriente Médio, pelo que Palley chama de o “Estado supervisor totalitário de alta tecnologia chinês” e pela formação de governos nacionalistas não liberais na Rússia e em países da Europa do Leste e Central, entre os quais a Turquia.
Da mesma forma, está em xeque a crença de muitos economistas liberais de que os ganhos mútuos gerados pelo livre comércio fariam com que a globalização se tornasse a forma última de organização do sistema econômico mundial.
Segundo Palley, a eleição de Trump tirou de baixo do tapete algumas das contradições geradas pela última etapa da globalização comercial, iniciada nos anos 1990.
Em particular, os conflitos distributivos exacerbados pelo processo de deslocamento da indústria para países com menores impostos, menor regulação trabalhista e/ou abundância em mão de obra barata adquiriram dimensões políticas e geopolíticas cada vez mais relevantes, sendo a mais importante a eleição de Trump e o consequente esgarçamento das relações comerciais entre EUA e China.
Nesse contexto, em vez de pensar em como se inserir no jogo, por meio de desvalorizações da moeda, custos menores com a mão de obra ou menos impostos, é urgente o debate sobre qual será o jogo a ser jogado. Ainda que a globalização não pareça navegar de vento em popa, tampouco está claro que será revertida.