Clubes dispensam grandes marcas e lucram com fabricação própria de camisa
Quando o Paysandu decidiu lançar uma marca própria de uniformes e material esportivo, em 2016, o mercado do futebol brasileiro tinha dúvidas sobre a viabilidade e o sucesso da empreitada. Hoje, o clube é referência para outros que optam por seguir o mesmo caminho.
Na onda da equipe paraense, Coritiba, CSA, Juventude, Santa Cruz, Fortaleza, Sampaio Corrêa, Joinville e recentemente o Bahia decidiram se desvincular das empresas tradicionais do setor para iniciar um processo que, de acordo com eles, dá mais independência aos times e também gera mais dinheiro.
"Em 2015, recebemos R$ 472 mil de royalties. No ano seguinte, tivemos um lucro líquido de R$ 3 milhões", diz à Folha o ex-presidente do Paysandu, Alberto Maia, atualmente dono de uma empresa que presta consultoria aos clubes interessados em gerir a própria marca.
Maia afirma que a ideia surgiu do descontentamento que havia com o fabricante do material esportivo do Paysandu, na época uma empresa chamada Filo, que fabricava para a Puma.
"Considerávamos que os royalties eram muito pequenos pelo volume de camisas vendidas. Eles ainda utilizavam dois espaços nossos e não pagavam absolutamente nada. Nem imposto, nem energia e nem aluguel. Eles não aceitaram fazer uma alteração contratual e, a partir desse momento, iniciamos o projeto da marca própria, que virou a marca Lobo", diz o ex-presidente do Paysandu.
O último clube a entrar para esse movimento foi o Bahia. Com sua nova marca, a "Esquadrão", lançada no início de outubro, a diretoria espera ter um faturamento três vezes maior só com a venda de camisas. Em 2017, o time tricolor arrecadou cerca de R$ 800 mil com seu material esportivo, que era fornecido pela Umbro.
"Estamos esperando entre loja própria, loja online e royalties sair de quase R$ 800 mil por ano para R$ 4 milhões. Antes do lançamento, só o número de pedidos feitos já faz com que nossos royalties sejam maiores do que o ano passado inteiro. Só em royalties já atingimos R$ 1 milhão", diz o presidente da equipe baiana, Guilherme Bellintani, que contou com a ajuda dos sócios para definir o desenho do novo uniforme.
Dois meses antes, o Coritiba, que tinha lançado a marca 1909 —em alusão ao ano de sua fundação—, já celebrava as vantagens da gestão independente do material esportivo.
Segundo a Folha apurou, no contrato anterior com a Adidas, o clube do Paraná lucrou apenas R$ 200 mil, enquanto a empresa faturou R$ 6 milhões. Com a nova marca, só nas primeiras três semanas os cofres da equipe receberam mais de R$ 360 mil.
A estrutura do projeto contou com vários parceiros. Foram contratadas duas agências, uma para criar a marca e a outra para fazer a publicidade. O clube também contratou um tipógrafo para desenvolver o desenho da 1909 e reformou a loja do estádio Couto Pereira, cuja operação era terceirizada e hoje é administrada pelo Coritiba.
Entre as reclamações dos clubes estão a dificuldade de logística e a má qualidade do produto que é fabricado pelas empresas do setor. Nesses casos, o contrato é firmado entre o clube e a marca, mas a fabricação fica por conta de terceiros e nem sempre agrada ao consumidor.
"A Adidas tinha em média 25 produtos. Agora a 1909 tem mais de 100 produtos disponíveis. Além disso, muitas demandas dos torcedores foram atendidas, desde detalhes estéticos (desenho da camisa, gola, manga) até linhas femininas e infantis que antes não existiam, diz o presidente do Coritiba, Samir Namur.
"A qualidade do material é superior aos materiais das grandes marcas, que costumam usar tecidos mais baratos e estratégias de produção em massa, como templates e sobras de materiais de outros clubes", afirma o mandatário do clube paranaense, que também realizou campanha com torcedores para definir o desenho da terceira camisa.
A reportagem entrou em contato com Adidas e Puma, citadas por Coritiba e Paysandu, respectivamente. As empresas optaram por não se pronunciar.
Além da melhora no produto que chega ao torcedor, os clubes comemoram a independência na produção.
É o caso do Juventude, que estava insatisfeito com o material do fornecedor anterior e hoje, com a marca própria, consegue se planejar melhor com o fornecimento das peças ao time principal, além de também promover o lançamento de camisas comemorativas.
"A camisa que ia para a loja voltava um dia depois de ser vendida, porque assim que colocava para lavar voltava destruída. A situação estava bem ruim. Com a marca própria, conseguimos fazer camisas comemorativas em três semanas. Por exemplo, vamos lançar agora uma camisa do Outubro Rosa", conta Matheus Antunes, diretor de negócios do Juventude.
Antes, o clube gaúcho vendia a camisa a R$ 190. Hoje, vende a R$ 150, e afirma ter um produto de melhor aceitação entre os torcedores.
No caso do Coritiba, que conseguiu ampliar suas receitas mesmo em má fase na Série B do Brasileiro (é o 10º colocado), a camisa com o antigo fornecedor custava R$ 249. Agora, custa R$ 183 e tem desconto de 10% para os sócios.
"Não tínhamos uniforme de manga comprida. É um produto que chega na loja e se esgota", afirma Samir Namur.
Por trás dos projetos desses clubes está a empresa Bomache, com quem negociam o licenciamento de suas marcas para que ela produza as camisas e demais artigos que vão para o mercado.
"A ideia é que quem tem que ganhar dinheiro com o uniforme do clube é o clube, não uma marca esportiva. Mostramos para o clube que ele tem que virar um balcão de negócios. A marca veste o clube. É um ativo que o clube tem", diz Alexandre Dalla, diretor comercial da Bomache.