Colégio Santa Cruz, em SP, tem renúncia coletiva de conselho após ingerência religiosa
Com 67 anos de tradição pluralista e liberal, o Colégio Santa Cruz, em São Paulo, teve uma renúncia coletiva em seu quadro na segunda-feira (25).
Frequentada por filhos de profissionais liberais, empresários e banqueiros, a escola tem entre seus ex-alunos nomes como o cantor Chico Buarque, o cineasta Fernando Meirelles e o presidente do Banco Itaú Unibanco, Candido Botelho Bracher.
Bracher é um dos quatro signatários da carta de renúncia do Conselho de Administração do colégio apresentada na segunda-feira, ao lado do cientista Fernando Reinach, presidente do colegiado, do administrador Ricardo Belotti e do engenheiro Lair Krahenbuhl —com exceção do último, todos ex-alunos do colégio.
A carta, à qual a Folha teve acesso, está relacionada a uma ação da atual gestão da Congregação de Santa Cruz, mantenedora do colégio, no sentido de aumentar sua ingerência no dia a dia e ampliar o caráter religioso da escola. A gota d’água para a renúncia foi a decisão de transformar o Conselho de Administração, que na prática geria o colégio há mais de 20 anos, em um órgão meramente consultivo.
Desde que irmãos americanos assumiram a liderança da congregação no lugar de padres canadenses, em 2010, havia o temor de que o Santa Cruz perdesse o caráter leigo, que faz com que seja procurado também por muitas famílias não católicas. Estima-se que cerca de 15% dos alunos sejam judeus.
Nas palavras de um integrante, é um colégio que forma cidadãos críticos com valores cristãos. Em outras palavras, trabalhos sociais são muito incentivados, mas o ensino religioso em si está pouco presente no dia a dia. Na década de 70, os padres canadenses eram professores de filosofia e apresentavam aos alunos autores como o filosofo Jean Paul Sartre.
A carta cita os padres fundadores do colégio. “A visão destes educadores religiosos e seu compromisso com valores humanistas contemporâneos deram forma à escola que há vários anos é reputada como das melhores do Brasil.”
Após citar a mudança na gestão da Congregação de Santa Cruz, motivada pelo decréscimo do ordenamento de padres, a missiva afirma que em 2016, os irmãos implementaram uma administração centralizada em Campinas e contrataram um “grupo de executivos cujo papel é administrar as três escolas de maneira unificada”.
Segundo a carta, na última reunião do Conselho de Administração, os irmãos comunicaram formalmente a decisão de transformar o colegiado em Conselho Consultivo. Nesse novo modelo, o conselho passaria a responder aos executivos em Campinas “e, em última instância, ao Conselho de Congregação composto unicamente por religiosos”, afirma o texto.
“Tendo representado os ideais dos padres fundadores junto à comunidade de pais, alunos e docentes, alguns de nós há mais de 20 anos, julgamos necessário tornar pública esta carta, como uma forma de prestação de contas e formalização da nossa renúncia.”
A Folha pediu na manhã desta terça-feira o posicionamento da direção do Colégio Santa Cruz e da congregação a respeito da renúncia. A reportagem será atualizada assim que a resposta chegar.
Questionado no final de dezembro sobre rumores de que o colégio iria se tornar mais catequizante, o irmão Ronaldo Almeida, dirigente da congregação, afirmou por email: “O Colégio Santa Cruz é uma instituição educacional filiada à Congregação de Santa Cruz, cuja Missão sustenta-se em princípios humanistas e valores cristãos. Seu projeto pedagógico tem caráter pluralista, acolhendo estudantes das mais variadas profissões de fé. Aliás, não poderia ser de forma diversa, pois estamos no Brasil, um Estado laico. Com muita alegria, porém, oferecemos catequese, com caráter optativo e em horário extra aulas regulares, a todas as famílias que desejam que seus filhos aprofundem-se na fé católica, que é a que professamos.”
Sobre a linha pedagógica, afirmou que “os projetos pedagógicos das escolas de qualidade não são documentos estanques, escritos para serem esquecidos em pastas ou gavetas e retomados apenas anualmente para cumprir exigências burocráticas. Ao contrário, são dinâmicos e, portanto, estão em permanente movimento de construção e reconstrução. Nas escolas de Santa Cruz não é (e nem poderia ser) diferente. Nossos profissionais estão em constante contato com as áreas de conhecimento que embasam nossas propostas pedagógicas, atentos às inovações e perspectivas de aprimoramento.”
Cinco integrantes do conselho permanecem no órgão (dois leigos e três da congregação).