Companhia Paralela encena prelúdio de autor de 'Rent' em São Paulo
Antes de criar “Rent”, musical que marcou a Broadway em meados dos anos 1990 e alçou seu nome ao sucesso, Jonathan Larson narrava suas angústias num espetáculo um tanto singelo.
Seu solo autobiográfico “Boho Days” trazia apenas ele em cena, acompanhado de uma banda. Era apresentado de início em palquinhos mínimos, nos quais o americano narrava a história de um compositor que, como ele, chamava-se Jon, morava num apartamento surrado de Nova York e, já próximo dos 30, não emplacava nenhuma criação sua no mercado de musicais.
O espetáculo, depois renomeado “Tick, Tick... Boom” (referência ao som do relógio e à sua ansiedade), fez algum burburinho, mas o reconhecimento mesmo só veio com “Rent”, cuja estreia, em 1996, Larson nem chegou a ver. Ele morreu meses antes, aos 35, de uma dissecção aórtica.
“Tick, Tick” foi depois revisto por colegas, que incluíram mais dois atores em cena, uma versão que chegou aos palcos em 2001—e está sendo adaptada ao cinema por Lin-Manuel Miranda, de “Hamilton”.
E é nesse prelúdio autoral que se entende de forma condensada o universo de Larson, permeado por ritmos de rock e soul e pelas crises dos anos 1990, diz a encenadora e produtora Bel Gomes, que agora dirige com Leopoldo Pacheco uma montagem do musical.
Eles, que acabaram de formar com os atores Bruno Narchi e Thiago Machado a sua Companhia Paralela, vêm justamente de uma encenação de “Rent”, feita no ano passado.
“Chegamos com uma bagagem diferente, entendendo melhor o trabalho de Larson e a história dele”, diz Narchi, que interpreta o protagonista.
“É interessante perceber que, se em ‘Rent’ as músicas contam a história [que une ‘La Bohème’, de Puccini, a questões identitárias e à problemática da Aids], em ‘Tick, Tick... Bom’ elas aprofundam as crises dos personagens.”
Não é só Jon quem sente o relógio bater no peito. Sua namorada, Susan (Giulia Nadruz), é uma bailarina que ganha a vida dando aulas a aspirantes sem talento. Já o amigo Michael (Machado) tinha, como Jon, sonhos de músico, mas enveredou para a publicidade, emprego que lhe deu dinheiro, mas não satisfação.
Jon fala à plateia como um narrador, lembrado um pouco o estilo despojado das comédias “stand-up”.
Tudo é simples na encenação, da forma direta como fala o elenco, ao cenário mínimo, com apenas um sofá e escadas modulares.
Segue, assim, as propostas da Companhia Paralela, que pretende dar uma atenção maior ao texto, em detrimento de outros recursos cênicos, e criar uma autonomia de produção para os artistas.
O que, por vezes, significa espetáculos sem patrocínio e de baixo orçamento. E também um processo contínuo, com montagens pensadas com bastante antecedência.
Para o ano que vem, o grupo planeja encenar o musical off-Broadway “Murder Ballad” e uma versão de “Sleuth”, thriller do inglês Anthony Shaffer.