Consolar o bebê inconsolável
Regra número 1: Bebês choram. Seja porque bolinhas de ar passeiam por suas diminutas barrigas, seja porque algo coça e eles não têm como aliviar a coceira. Choram porque dentro do útero era bem animado com os sons de gases, batimentos cardíacos, respiração e sacolejo da mãe e agora se vêm confinados ao silêncio de um quarto escuro num berço estático.
Não é à toa que o som do secador de cabelo ou do rádio fora de sintonia é capaz de fazer bebês recém-nascidos pegarem no sono quase imediatamente. Choram porque ouvem outro bebê chorar e já não sabem quem começou primeiro, se eles ou o outro. Choram porque não conhecem outra forma de descarregar as intensidades vividas, mesmo as prazerosas. O choro de um bebê é o tipo de som que deixa adultos incomodados o suficiente para pararem tudo o que estão fazendo e tentarem dar um jeito. Para um ser tão minúsculo, o choro é uma ferramenta inestimável de sobrevivência. Conte com isso.
Regra número 2: Bebês têm choros inconsoláveis. O choro do bebê é puro enigma. Mesmo que ele tenha parado de chorar depois que você pegou no colo, alimentou e trocou a fralda, você nunca saberá com certeza qual era a queixa original. Não é difícil que o próprio movimento de pegar, alimentar e trocar o acalme, livrando-o do tédio de ficar deitado. Tudo que lembrar a satisfação perdida pode servir de alento para alguém que não sabia o que é fome, frio, silêncio até algumas horas, dias ou meses.
Inúmeras vezes, tentamos tudo isso e simplesmente não conseguimos resolver o problema. É incrivelmente frustrante, embora tenha frequência diária, um tipo de choro inconsolável do bebê. Costuma ser no fim do dia, mas cada família contará sua versão original de como um cara de pouco menos de um metro consegue passar duas ou mais horas chorando sem parar.
Questões como "ele vai ficar traumatizado?", "essa experiência vai marcá-lo para sempre?", "o quanto ele está sofrendo?" são formuladas por pais, eles sim, traumatizados e marcados a tal ponto que outros filhos só surgem depois de um processo de amnésia.
Regra número 3: Bebês precisam ser consolados. E aqui cria-se a contradição com a regra número 2. O que podem fazer pais, mãe, avós, enfermeiros, atendentes de creche, nas inúmeras situações em que bebês se tornam inconsoláveis? Quando adultos relatam momentos de grande estresse ou sofrimento em suas vidas, como acidentes e perdas importantes, costumam associá-los a frases ouvidas como "ninguém me explicava nada", "ninguém me escutava". Para além do acontecimento traumático em si, as lembranças desses momentos vêm marcadas pela presença ou não de outros com quem se pôde contar.
A parturiente que teve um parto difícil falará de uma enfermeira que a olhou, no meio do caos, e lhe disse "não vou sair do seu lado". Os pais que receberam más notícias sobre o filho vão lembrar das pessoas que os escutaram sem impor soluções místicas ou apressadas.
Bebês também são marcados pela experiência de que nas horas mais escuras algo agradavelmente familiar comparecia: o cheiro, o embalo, a voz, o toque das pessoas. É assim que se consola o inconsolável, deixando a marca da solidariedade desde o berço. Com o tempo, o próprio bebê aprende a se consolar e a pedir que os pais "assoprem" seus machucados.
Resumindo, na hora mais escura, sejam adultos ou bebês, a regra de ouro é: ninguém solta a mão de ninguém.