Coreia do Norte voltou a produzir mísseis, diz inteligência americana
As agências de espionagem dos EUA identificaram sinais de que a Coreia do Norte está construindo novos mísseis em uma fábrica que produziu os primeiros balísticos intercontinentais do país, capazes de atingir o território americano, de acordo com autoridades que receberam informações a respeito do assunto.
Indicações obtidas recentemente, entre as quais fotos registradas por satélites nas últimas semanas, indicam que os norte-coreanos estão trabalhando em pelo menos um, e possivelmente dois mísseis propelidos por combustível líquido, em uma grande instalação de pesquisa em Sanumdong, nos arredores de Pyongyang, de acordo com funcionários do governo americano que falaram sob condição de anonimato.
As descobertas são as mais recentes indicações de atividade nas instalações associadas a mísseis e tecnologia nuclear da Coreia do Norte, em um momento no qual os líderes do país estão engajados em negociações de desarmamento com os Estados Unidos.
As novas informações não sugerem uma expansão da capacidade norte-coreana, mas demonstram que o trabalho em armas avançadas continua, semanas depois que o presidente Donald Trump anunciou em uma rede social que Pyongyang "não é mais uma Ameaça Nuclear".
Os relatórios sobre a produção de novos mísseis surgem depois de revelações recentes sobre uma suposta instalação de enriquecimento de urânio chamada Kangson, que a Coreia do Norte estaria operando em segredo.
O secretário de Estado Mike Pompeo reconheceu em depoimento ao Senado americano na semana passada que as fábricas norte-coreanas "continuam a produzir material físsil", usado para a produção de armas nucleares. Ele se recusou a declarar se Pyongyang está construindo novos mísseis.
Durante uma cúpula com Trump em junho, o líder norte-coreano, Kim Jong-un, concordou em uma declaração, de terminologia bastante vaga, quanto a "trabalhar para" a "desnuclearização" da península Coreana. Mas de lá para cá a Coreia do Norte adotou poucas medidas tangíveis que sinalizem uma intenção de se desarmar.
Em lugar disso, importantes dirigentes norte-coreanos discutiram sua intenção de iludir Washington quanto ao número de ogivas nucleares e mísseis de que o país dispõe, bem como sobre o número e tipo das instalações associadas a essas duas atividades, e de dificultar o trabalho dos inspetores internacionais, de acordo com informações recolhidas pelos serviços de inteligência americanos.
A estratégia deles inclui, potencialmente, afirmar que o país se desnuclearizou completamente, com a eliminação de 20 ogivas, mas reter dezenas de outras.
A fábrica de Sanumdong produziu dois dos mísseis intercontinentais norte-coreanos, entre os quais o poderoso Hwasong-15, o primeiro com alcance comprovado que permitiria atingir a costa leste dos Estados Unidos.
Os indícios obtidos recentemente apontam para um trabalho em curso em pelo menos um Hwasong-15 na fábrica de Sanumdong, de acordo com imagens recolhidas pela Agência Nacional de Inteligência Geoespacial americana nas últimas semanas.
"Nós estamos vendo trabalho, como víamos antes", disse um funcionário do governo americano. A exceção, disseram os funcionários, é a Estação de Lançamento de Satélites de Sohae, na costa oeste da Coreia do Norte, onde se via funcionários desmontando uma bancada de teste de propulsores, honrando uma das promessas feitas a Trump na cúpula realizada em junho, em Singapura.
Muitos analistas e especialistas independentes consideram esse desmonte como basicamente simbólico, agora que a Coreia do Norte já lançou com sucesso mísseis balísticos com os propulsores de combustível líquido testados em Sohae. Além disso, a bancada de testes poderia ser reconstruída facilmente, em meses.
Reforçando os indícios obtidos pelos serviços de informações, especialistas independentes também reportaram nesta semana ter observado atividade compatível com a construção de mísseis, na fábrica de Sanumdong.
O movimento diário de caminhões de abastecimento e outros veículos, registrado em fotos por satélites comerciais, demonstra que a instalação produtora de mísseis "não está morta, de maneira alguma", disse Jeffrey Lewis, diretor do programa de não proliferação nuclear no leste da Ásia, do Centro James Martin de Estudos de Não Proliferação.
A organização de pesquisa sediada em Monterey, Califórnia, analisou fotos comerciais obtidas pela Planet, uma empresa que comercializa imagens registradas por satélites."Está em atividade. Vê-se contêineres de transporte e tráfego de veículos", disse Lewis sobre a fábrica de Sanumdong. "Trata-se de uma instalação na qual eles constroem mísseis balísticos intercontinentais e veículos para lançamentos espaciais".
Uma imagem, registrada em 7 de julho, é especialmente intrigante, e mostra um reboque coberto por uma capa vermelha, em uma área de embarque. O reboque parece idêntico aos usados pela Coreia do Norte para transportar mísseis, no passado. Mas não se sabe ao certo como o reboque estava sendo usado no momento em que a imagem foi obtida.
A organização de Lewis também publicou imagens de uma grande instalação industrial que alguns analistas dos serviços de informações americanos acreditam ser a central de enriquecimento de urânio de Kangson.
As imagens, reportadas inicialmente pelo site de notícias Diplomat, mostram um edifício do tamanho de um campo de futebol, cercado por um muro alto, no distrito de Chollima-guyok, Coreia do Norte, a sudoeste da capital. O complexo tem uma única entrada, que opera sob guarda, e inclui edifícios residenciais aparentemente usados por seus trabalhadores.
Fotos obtidas por satélite no passado mostram que a instalação estava aparentemente completa em 2003. As agências de informações americanas acreditam que ela esteja em operação há pelo menos uma década. Se isso procede, os estoques de urânio enriquecido da Coreia do Norte podem ser substancialmente maiores do que se acredita usualmente.
As agências de informações americanas nos últimos meses elevaram suas projeções sobre o tamanho do arsenal nuclear norte-coreano, levando em conta o urânio enriquecido em pelo menos uma instalação secreta de enriquecimento.
A instalação de Kangson foi identificada publicamente pela primeira vez em maio, em um artigo do jornal The Washington Post que mencionava pesquisas do especialista em armas nucleares David Albrigt.
Alguns dirigentes de serviços de informação europeus não estão convencidos de que a instalação seja usada para enriquecimento de urânio. Mas existe amplo consenso entre as agências de inteligência americanas de que Kangson seja uma das pelo menos duas instalações secretas de enriquecimento de urânio da Coreia do Norte.
Diversos representantes do governo dos Estados Unidos e analistas do setor privado afirmam que a atividade continuada no complexo de produção de armas norte-coreano não é surpresa, porque Kim não prometeu publicamente, na cúpula, que suspenderia o trabalho nas dezenas de instalações nucleares e de mísseis espalhadas por seu país.
Os norte-coreanos "jamais concordaram em abandonar seu programa nuclear", disse Ken Gause, especialista em questões norte-coreanas no Centro de Análise Naval. E seria tolice imaginar que o fizessem, no começo das negociações, ele disse.
"A sobrevivência do regime e a perpetuação do domínio da família Kim" são os princípios que orientam Kim, ele disse. "Na opinião dos norte-coreanos, o programa nuclear oferece capacidade dissuasória contra esforços americanos para mudar o regime. Abandonar a capacidade nuclear abalaria os dois centros fundamentais de gravidade no regime norte-coreano."
Pompeo buscou assegurar os legisladores, ao depor no Senado na semana passada, de que as negociações de desarmamento com a Coreia do Norte continuam no rumo e que o esforço para desmantelar o arsenal nuclear do país estava só começando. Ele descartou afirmações de que o governo Trump tinha sido enganado por Kim. "Não fomos enganados", ele afirmou.
Mas alguns analistas independentes acreditam que o governo Trump tenha interpretado mal as intenções de Kim, lendo o seu compromisso para com uma futura desnuclearização como promessa de entregar imediatamente o arsenal nuclear do país e desmantelar suas fábricas de armas.
"Entendemos a coisa às avessas. A Coreia do Norte não está negociando abrir mão de suas armas nucleares", disse Lewis. "Está negociando o reconhecimento de suas armas nucleares. Eles estão dispostos a aceitar certos limites, como o de não testar armas nucleares e mísseis intercontinentais. O que estão propondo é reter a bomba, mas parar de falar sobre ela."