Na Justiça e no governo, Bicudo tinha como tarefa lutar pelos direitos humanos
A devoção à causa dos direitos humanos foi a expressão maior da vida de Hélio Bicudo.
Nos anos 70, como promotor de justiça, assumiu com o desafio de combater o chamado “esquadrão da morte”.
Investigou a violência de agentes policiais que despejavam cadáveres de criminosos comuns ou acusados de cometer delitos nas periferias.
Em suas memórias, Bicudo confidenciou que a consciente decisão de romper com uma atuação meramente burocrática no Ministério Público foi inspirada por um artigo de Miguel Reale, publicado em 1969, em que, ao tratar do esquadrão da morte, realçava: “Creio que já silenciamos em demasia e devemos todos nos penitenciar de tão longa omissão”.
Foi com a mesma convicção que Bicudo teve destacada atuação nos poderes Legislativo e Executivo.
Deputado por dois mandatos sucessivos pelo PT, centrou seus esforços em propostas visando reformas institucionais.
Lutou pela mudança do Judiciário, guiado pela ampliação do acesso à justiça e por transformar o STF em verdadeira corte constitucional. Lutou pela reforma da segurança pública, advogando a desmilitarização da Polícia Militar e sua desvinculação do Exército, a profissionalização da Polícia Civil e a unificação de ambas.
Em 1996 foi aprovada a chamada “Lei Bicudo” (Lei n.9.299/96), que finalmente transferiu da Justiça Militar para a Justiça Comum o julgamento dos crimes dolosos contra a vida cometidos por policiais militares, constituindo um importante avanço no combate à impunidade.
Na Câmara dos Deputados foi presidente da Comissão de Direitos Humanos, tendo promovido a realização de um tribunal simbólico para demandar a punição dos responsáveis pelos massacres de sem-terra de Corumbiara e Eldorado do Carajás. Presidiu, ainda, um Tribunal Interamericano sobre o Trabalho Infantil nas Américas.
No Executivo, atuou no governo Carvalho Pinto, que, no marco das inovações do planejamento estratégico, veio a criar a Fapesp —Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
Na gestão municipal de Luiza Erundina (PT), assumiu a Secretaria Municipal dos Negócios Jurídicos e na de Marta Suplicy foi vice-prefeito, contribuindo com a fundação da Comissão Municipal de Direitos Humanos de São Paulo, em 2002.
Participou ativamente da criação do PT em 1980, tendo sido dirigente nacional e municipal do partido e membro da Direção Nacional por 18 anos, tendo deixado o partido em 2005.
Já nonagenário, foi um dos signatários da ação que provocou o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), o que surpreendeu antigos aliados de esquerda.
Na área dos direitos humanos, dedicou-se ao Centro Santo Dias, fundado em 1980, para socorrer as vítimas de violência policial.
Também atuou junto à Comissão Teotônio Vilela, criada em 1983, tendo como objetivo maior combater a violência nas delegacias, cadeias, penitenciárias e manicômios. Participou, ainda, da Comissão Justiça e Paz, fundada em 1972, e foi membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos —importante órgão para a democratização nas Américas.
Bicudo defendeu dom Paulo Evaristo Arns, quando processado por calúnia pela publicação do livro “Brasil: Nunca Mais”, retrato da violência da tortura, dos desaparecimentos forçados e dos assassinatos do regime militar ditatorial. Movido pelo ideal cristão, somou-se à Igreja Católica no trabalho das pastorais sociais.
Em suas memórias, Hélio Bicudo afirma ser sua tarefa “lutar por direitos”, procurando “nunca negligenciar este dever”.
Ao final, conclui: “Valeu a pena defender o que era necessário ser defendido, e, sobretudo, aqueles que se encontravam sem defesa”.
Flávia Piovesan é professora de Direitos Humanos dos Programas de Pós-Graduação em Direito da PUC/SP e da PUC/PR. Procuradora do Estado de São Paulo. Foi secretária nacional de Direitos Humanos.