Crise mais que esperada pode levar a contágio macroeconômico global

As relações entre Turquia e Estados Unidos chegaram ao fundo do poço na semana passada. A verdade é que essa história não é nova.

Desde a chegada de Erdogan ao poder, em 2003, as relações com o principal aliado da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) têm flutuado.

O governo do Partido Justiça Justiça e Desenvolvimento (AKP) opôs-se à intervenção ao Iraque e, depois desta, tentou sem sucesso intervir no norte do país. Pressionou o governo Obama por uma intervenção na Síria, mas resistiu a participar da coalização contra o Estado Islâmico. E realiza operações militares contra curdos sírios, considerados aliados das forças norte-americanas.

A tensão ganhou força com o pedido de extradição do clérigo turco residente nos Estados Unidos Fetullah Gulen –considerado terrorista por Ancara– e a prisão do pastor americano Andrew Brunson.

Parecia que o pastor em questão, preso desde outubro de 2016 sob alegação de terrorismo e espionagem, seria libertado em julho.

O governo americano havia atuado nessa negociação pela soltura de uma ativista turca em mãos israelenses. Brunson, porém, não saiu da prisão, e Donald Trump entendeu o fato como afronta pessoal.

O governo americano anunciou congelamento de bens dos ministros do Interior e da Justiça turcos, e Trump anunciou pelas redes sociais, como de costume, o aumento das taxas sobre aço e alumínio turcos. Em paralelo, o Congresso em Washington debate a não entrega de caças F-35, bloqueio de fundos do Banco Mundial e do FMI (Fundo Monetário Internacional).

A aliança entre Turquia e EUA se esboçou com o Plano Marshall no pós-guerra e ganhou força com a Guerra Fria. No quadro da grande estratégia de contenção, a Turquia entrou na Otan ao lado da Grécia em 1952 e teve um papel fundamental como a âncora do flanco sudeste da organização, além de ser o único país da aliança com fronteiras diretas com a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, bloco dissolvido em 1991).

Com o fim da Guerra Fria, decaía a importância estratégica turca, mas a luta contra o terrorismo curdo os manteve unidos nos anos 1990. A invasão americana ao Iraque mudou os cálculos.

O aliado agora invadiu os países vizinhos e se tornou seu vizinho. Estrategistas turcos começaram a avaliar como aumentar a profundidade estratégica da Turquia além dos EUA, desenvolvendo um jogo de múltiplas apostas com Europa, Oriente Médio e o inimigo histórico, Rússia. Nos últimos tempos, a Turquia tem sido cada vez mais isolada pelos seus "parceiros" ocidentais enquanto melhorou suas ligações estratégicas com a Rússia e a China.

Não é por acaso que Erdogan pediu a incorporação da Turquia ao grupo dos Brics no encontro de Joanesburgo, nem que ele seja um dos principais colaboradores com o processo de pacificação da Síria, liderado pela Rússia.

A crise é profunda e o fim distante. A tensão aumentará se o pastor Brunson não for libertado, e a crise cambial poderia tornar-se macroeconômica, afetando um dos pilares da administração de Erdogan: estabilidade e progresso econômicos. Sem bonança econômica, o novo esquema presidencialista perde tração.

Com a crise de 2008/2009, Erdogan foi bem-sucedido. O novo contexto parece mais complexo. As tensões com os EUA não apenas não colaboram mas a "guerra econômica" pode ser muito cara para uma economia emergente como a turca. E pode contagiar.

Monique Sochaczewski  é doutora em história, política e bens culturais pelo CPDOC/FGV e coordenadora de Projetos do Cebri Ariel González Levaggi é doutor em relações internacionais pela Koç University (Istambul) e professor da Pontifícia Universidade Católica da Argentina

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