Decreto de Putin facilita cidadania russa a separatista da Ucrânia
O presidente russo, Vladimir Putin, assinou decreto nesta quarta (24) facilitando a concessão de passaportes de seu país para moradores das duas autoproclamadas repúblicas separatistas do leste ucraniano, na região conhecida como Donbass.
Putin negou tal intenção, segundo a agência russa Tass. “Não desejamos criar problemas para a nova liderança ucraniana”, afirmou o presidente, que não chegou a congratular o inexperiente comediante e “outsider” Zelenski pela vitória.
Uma leitura mais alarmista do movimento encontra eco no processo que levou à anexação da península historicamente russa da Crimeia, ocorrida após a derrubada de um presidente pró-Kremlin em Kiev. Moscou havia distribuído passaportes para russos étnicos que viviam na região (65% da população em 2014).
A decisão “é a continuação da agressão e interferência em nossos assuntos internos”, afirmou o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Pavlo Klimkin —que ainda serve sob o presidente francamente anti-Putin Petro Porochenko, derrotado por Zelenski. O novo presidente só assume dia 31 de maio, mas deve manter boa parte do gabinete sob as leis parlamentaristas ucranianas até a eleição legislativa de outubro.
Pelo decreto de Putin, ficam isentos de formalidades como ter endereço fixo na Rússia ou ter morado por cinco anos seguidos no país os habitantes do Donbass —as chamadas repúblicas populares baseadas nas cidades de Donetsk e Lugansk, que somam cerca de 3,7 milhões de pessoas. O processo também deve ser expresso, em no máximo três meses.
Quando Putin incentivou políticos crimeios a promover um plebiscito visando a unificação com a Rússia, ao mesmo tempo estimulou a secessão no Donbass. O motivo central, além de afinidades culturais e linguísticas, era a necessidade estratégica do Kremlin de evitar ter Kiev unida à estrutura militar e econômica do Ocidente. Em outras palavras, trazer tropas adversárias à sua fronteira.
Só que no leste ucraniano, uma região menos homogênea em termos étnicos do que a Crimeia com talvez 75% de russófonos, mas apenas 40% de russos étnicos, houve resistências e logo irrompeu uma guerra civil.
De lá para cá, 13 mil pessoas morreram nos conflitos, que estão em estado congelado com o governo central em Kiev. A sinalização do Kremlin tende a ser uma forma de chamar Zelenski para uma posição de negociação mais aberta, algo que Putin não fará.
Isso porque muitos analistas russos descartam uma anexação do Donbass nas mesmas linhas do que ocorreu na Crimeia. Na península, bastante menor, Putin já gastou mais de US$ 5 bilhões em obras de infraestrutura e volumes enormes e incertos em subsídios para a integração.
Com a economia rateando na casa de crescimento de 1,5% do PIB, muitos duvidam que Moscou tenha fôlego para uma nova ação —fora o fato de que ela invariavelmente teria custo militar direto, já que Kiev atua com tropas na região.
Até aqui, o máximo que Moscou havia feito tinha sido o reconhecimento dos passaportes das duas “repúblicas populares”, um passo anterior ao do reconhecimento oficial dos entes separatistas.
Zelenski, ao longo da campanha, fez apelos pela normalização da situação no leste de seu país e disse esperar que a Crimeia voltasse a ser ucraniana (o foi de 1954 a 1991). Ele se diz pró-Ocidente, mas quis diferenciar-se do belicoso Porochenko ao sugerir que é preciso conversar com a Rússia.