Em 100 dias, Bolsonaro coleciona recuos em ações de governo; relembre 11 deles
Ao longo dos seus cem primeiros dias, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) colecionou recuos em declarações e medidas diante de repercussões negativas.
As idas e vindas da gestão deixam no ar uma sensação de improviso e falta de planejamento do presidente e de seu corpo ministerial, que se soma à ausência de uma base parlamentar definida no Congresso.
Despetização da Casa Civil
Logo nos primeiros dias de governo Bolsonaro, o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) anunciou o que chamou de “despetização” do ministério, com a exoneração de 320 servidores em cargos de confiança que teriam ligação com o PT.
A ação gerou um “apagão administrativo”, com falta de servidores até mesmo para tocar os próprios pedidos de nomeação e exoneração determinados pelo ministro. A Casa Civil precisou renomear funcionários que havia desligado para tentar resolver o problema.
Edital do MEC
O governo federal chegou a anunciar mudanças em edital do Ministério da Educação para compra de livros didáticos que deixavam de exigir referências bibliográficas, o que abria brechas para erros e revisionismos. Pressionado, Bolsonaro recuou.
A polêmica, no entanto, deve ganhar novos contornos depois que o ex-ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, anunciou que iria rever os livros didáticos no país, dizendo que não houve ditadura militar e que o golpe de 1964 foi “uma decisão soberana da sociedade brasileira”. Desgastado, Vélez foi substituído nesta segunda-feira (8) pelo economista Abraham Weintraub.
Mudança da embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém
Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro prometeu mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém –um gesto que irritou países árabes e gerou preocupação em empresários brasileiros que temem perder negócios com essas nações. Já como presidente, Bolsonaro passou a negar a existência de uma decisão definitiva sobre o assunto.
Em visita a Israel, no final de março, o presidente anunciou a criação de um escritório comercial em Jerusalém e justificou dizendo que seria um passo adiante no projeto de transferir em definitivo a representação diplomática para a cidade.
Anulação de orientação para romper com MST
Em 22 de fevereiro, um memorando do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) orientava as superintendências regionais do órgão a não receber entidades ou representantes “que não possuam personalidade jurídica”, caso do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) —o que na prática representava o fim do diálogo com o movimento.
O anúncio do rompimento com o MST foi comemorado por bolsonaristas em redes sociais. Mas também motivou reação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, vinculada à Procuradoria-Geral da República, que recomendou o fim dessa orientação para não gerar tensões sociais e conflitos no campo.
Já em 12 de março, o governo recuou e anulou a orientação.
Indicação de Ilona para conselho de segurança pública
Bolsonaro obrigou o ministro da Justiça, Sergio Moro, a desconvidar a especialista em segurança pública Ilona Szabó de Carvalho para integrar o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária como membro suplente.
O motivo foi a repercussão negativa que o convite de Moro gerou entre os apoiadores mais radicais de Bolsonaro, que viram Ilona como uma espécie de estranho no ninho. A especialista tem divergências em relação ao governo em temas como armamento e política de drogas. Ilona também se posicionou contra a candidatura de Bolsonaro durante as eleições.
O episódio causou desconforto a Moro, nomeado ministro com o compromisso de carta branca do presidente.
Crítica a imigrantes
Durante visita aos Estados Unidos, Bolsonaro afirmou em entrevista à rede Fox News em 19 de março que apoiava a ideia do presidente americano, Donald Trump, de construir um muro na fronteira com o México para conter a entrada de imigrantes sem documentos no país. E acrescentou que "a grande maioria dos imigrantes em potencial não tem boas intenções nem quer fazer o bem ao povo americano".
No mesmo dia, ao ser questionado mais tarde por jornalistas sobre o que quis dizer com a mensagem, Bolsonaro afirmou que cometeu "um equívoco". "Foi um equívoco meu. Boa parte tem boas intenções, a menor parte, não. Peço desculpas aí."
Pedido para escolas lerem slogan de campanha de Bolsonaro
Em 25 de de fevereiro, o então ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, enviou a escolas do país uma carta em que pedia para que alunos, professores e funcionários sejam colocados em fila para cantar o hino nacional em frente à bandeira do Brasil, e que a ação fosse filmada e enviada para o governo.
Diante da reação negativa de educadores e diretores de escolas, já no dia seguinte o ministro admitiu ter errado em fazer o pedido e retirou a carta de circulação, sem dar maiores explicações. E no dia 27 Vélez desistiu em definitivo dos planos de filmagem.
Acordo Embraer-Boeing
Na primeira semana de mandato, no dia 4 de janeiro, Bolsonaro levantou dúvidas sobre o acordo de fusão entre a fabricante brasileira de aviões Embraer e a americana Boeing —um negócio que necessita do aval do governo.
Dias depois, o general Augusto Heleno, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) afirmou que o governo não pensava em interromper o negócio entre as duas empresas.
Base militar dos EUA no Brasil
Em sua primeira entrevista à imprensa depois de assumir a Presidência, em 3 de janeiro, Bolsonaro citou a possibilidade de os EUA instalarem uma base militar em solo brasileiro. A declaração pegou os militares de surpresa, ainda mais vinda de um egresso das fileiras do Exército conhecido pela retórica nacionalista.
Dias depois, em 8 de janeiro, Bolsonaro recuou e avisou aos militares que não haveria nenhuma base americana no Brasil. Já em março, durante visita aos EUA, o presidente assinou acordo que permite uso comercial da base espacial de Alcântara, no Maranhão —o Congresso ainda precisa dar aval à medida.
Recuos na Previdência
Tema considerado prioritário para o governo Bolsonaro, a reforma da Previdência enfrenta dificuldades para obter apoio junto ao Congresso.
Apenas uma semana após apresentar a proposta aos parlamentares, em 20 de fevereiro, o presidente sinalizou apoio a possíveis mudanças no texto, o que desagradou o mercado financeiro. Entre os recuos cogitados estão as alterações no BPC (Benefício de Prestação Continuada) —cujo valor é de um salário mínimo (R$ 998) e é recebido por quem tem mais de 65 anos—, alteração, de 62 anos para 60 anos, na idade mínima para que mulheres se aposentem e mudanças na fórmula de cálculo para pensão por morte.
Apesar dos acenos, parlamentares disseram que os recuos ainda eram insuficientes para angariar apoio no Legislativo. Na última semana, Bolsonaro abriu sua agenda para receber líderes partidários e tentar apoio para os projetos do governo —entre eles, a reforma previdenciária.
Falas sobre ditadura
Em 25 de março, Bolsonaro anunciou por meio do seu porta-voz determinação ao Ministério da Defesa para a realização de "comemorações devidas" em referência ao 31 de março de 1964, data que marca o golpe que deu início à ditadura militar (1964-1985) no Brasil.
A ordem gerou reações tanto na sociedade civil como no meio político. Até militares, que temiam uma tensão ainda maior do ambiente político, ficaram incomodados com a ordem do presidente.
No dia 27, Bolsonaro foi além e disse em entrevista à TV Bandeirantes que não houve ditadura no Brasil. Ele ainda afirmou que, assim como um casamento, todo regime tem alguns "probleminhas".
No dia seguinte, diante da repercussão negativa, Bolsonaro baixou o tom e trocou a palavra "comemoração" por "rememoração" da data.