Em 2022, 16 estados e DF irão gastar 80% da arrecadação com servidores
Em 2022, último ano do mandato dos governadores eleitos nestas eleições, 16 estados e o Distrito Federal já estarão gastando acima de 80% das suas receitas somente com despesas de pessoal.
Entres os gastos estão aposentadorias, folha de pagamento e auxílios a servidores.
Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, que enfrentam sérios problemas de caixa, são os casos mais extremos.
Em quatro anos, de cada R$ 100 arrecadados, mais de R$ 95 serão gastos com pessoal se nada mudar.
Em outras palavras, é um cenário de colapso da prestação de serviços básicos à população, como conclui um estudo realizado pela economista Ana Carla Abrão, ex-secretária da Fazenda de Goiás e sócia da consultoria Oliver Wyman.
Ela projetou a evolução das despesas dos entes da Federação com servidores estaduais se não houver reformas, em levantamento publicado no ebook “Como Escapar da Armadilha do Lento Crescimento”. A obra é organizada pelo economista Affonso Celso Pastore.
“Os estados brasileiros são os maiores provedores de saúde, segurança e educação”, afirma ela. “Se você colapsa os estados, que é o que esses dados indicam que ocorrerá, não há recursos para investimentos, e a provisão desses serviços passa a se deteriorar de forma irreversível”, diz.
Na prática, as projeções mostram que todos os entes da Federação caminham, em maior ou menor grau, para enfrentar os mesmos problemas do Rio.
O estado, mesmo com medidas recentes de ajuste, não consegue garantir o pagamento do 13º salário dos seus servidores neste ano.
Ou o caminho pode ser o de Minas e Rio Grande do Sul, onde são frequentes os atrasos na quitação da remuneração dos servidores.
A escassez de recursos também vai limitando, cada vez mais, os investimentos.
“É claro que o professor tem de ganhar mais, mas o estado precisa ter condição de gastar com merenda e transporte”, exemplifica Abrão.
“Sem recursos para investir em inteligência, haverá mais policiais assassinados em combate. Não adianta ter médicos se não há remédios, hospitais e equipamentos.”
De acordo com ela, todos os estados hoje praticamente já desrespeitam a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), que exige que o comprometimento da arrecadação com pessoal, ativos e inativos, não pode ultrapassar 60%.
Na prática porque os números apresentados oficialmente pelos estados são bem diferentes dos encontrados por especialistas em contas públicas.
Há anos, os entes da Federação maquiam a realidade ao não considerar como gastos com pessoal determinadas despesas, como pagamento de pensões, obrigações patronais ou auxílios. Essa prática é chancelada pelos tribunais de contas estaduais.
A Lei de Responsabilidade Fiscal foi editada há 18 anos com o objetivo de evitar uma futura derrocada fiscal dos entes da Federação.
Ao longo dos anos, foi envelhecendo, e a avaliação de Abrão é que é necessária uma revisão da lei, para modernizar pontos que hoje abrem brechas para alguns gastos não serem enquadrados como sendo de pessoal.
A atualização padronizaria os cálculos a serem apresentados pelos estados e reduziria as incertezas jurídicas atuais.
“O ideal é revisar a legislação, o que fará com que todos os estados sejam desenquadrados e criar um período de transição para o reenquadramento acontecer gradualmente”, defende ela.
A exemplo do que ocorreu no Rio, entre as medidas que poderiam ser adotadas estão aumento da contribuição previdenciária de servidores e vedação a aumentos salariais até a situação fiscal se regularizar.
Ou seja, ações que dependem da complicada aprovação de Assembleias Legislativas.
“Teria de ser algo coordenado pelo governo federal, com o gatilho da mudança na LRF”, diz a economista.
“Na medida em que ficar claro que o problema é sistêmico, que não tem cor partidária, que não é político, vai ficar mais fácil.”
O economista Raul Velloso tem uma visão diferente da melhor solução.
Para ele, parte importante do problema é o fato de a LRF colocar no mesmo balaio os gastos com funcionários ativos e previdência dos servidores.
Em sua avaliação, o melhor caminho é retirar a previdência dos orçamentos estaduais e criar fundos de pensão que administrem essa dívida separadamente.
“O centro do problema é o gasto com o inativo. É o déficit da previdência dos servidores, que está quebrada”, afirma Velloso.
“Tem de separar. O gasto com inativos tem uma tendência explosiva de crescimento.”
Além dos servidores, os próprios estados contribuiriam com esses fundos, abastecendo-os com imóveis, fundos imobiliários e ações de estatais, por exemplo.
“Você faz a conta: quanto vai exigir de recursos em um horizonte de 70 anos, por exemplo, e estabelece as contribuições previdenciárias dos próprios servidores, que no limite podem ser elevadas, e dos estados”, afirma.
Independentemente da solução, enfrentar a escalada de gastos nos estados é essencial para evitar que em quatro anos uma quantidade considerável de entes bata às portas do Tesouro Nacional para pedir ajuda.
“O Tesouro vai ser alvo de uma pressão política muito grande”, diz Abrão. “Ou antecipamos uma solução para o problema ou vamos chegar ao final comprometendo a própria gestão fiscal federal.”