Em discurso, presidente da Nicarágua chama Igreja Católica de golpista
No primeiro discurso após a ofensiva de policiais e paramilitares contra redutos oposicionistas, o presidente nicaraguense, Daniel Ortega, acusou os bispos da Igreja Católica de golpistas e disse que seus opositores no país precisam ser exorcizados.
Diante de dezenas de milhares de simpatizantes reunidos para celebrar o 39º aniversário da Revolução Sandinista, o mandatário esquerdista atacou a atuação da igreja durante a tentativa de diálogo nacional, atualmente suspensa.
O feriado mais importante da Nicarágua ocorreu neste ano em meio à crise mais grave do país das últimas décadas. Há três meses, o país vive uma onda de protestos exigindo a saída de Ortega.
Desde o início de abril, houve ao menos 360 mortes relacionadas aos protestos, segundo a Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos (ANPDH), a ampla maioria manifestantes da oposição.
Parte das mortes ocorreu nos últimos dias, durante ataques do governo a bastiões anti-Ortega em Masaya e na Universidade Nacional Autônoma da Nicarágua (Unan).
“É preciso haver consenso. E, para ter consenso, é preciso acordo entre as duas partes. Mas eles simplesmente apareceram com um ultimato”, acusou Ortega. “A mim me assombrou que os senhores bispos tivessem essa atitude de golpistas.”
Ortega acusou a igreja de encampar as exigências dos movimentos opositores, principalmente a convocação de uma nova eleição presidencial —o mandato atual termina em 2022, mas o líder sandinista pode se reeleger indefinidamente.
“Estamos obrigados a pedir aos bispos que se retifiquem e não alimentem essas seitas satânicas, golpistas, assassinas”, afirmou Ortega, após ler o nome dos 22 policiais nacionais mortos durante os protestos.
Em resposta via Twitter, o bispo auxiliar de Manágua disse que: “A Igreja não sofre por ser caluniada, agredida e perseguida. Sofre por quem foi assassinado, pelas famílias que choraram, pelo detidos injustamente e pelos que fogem da repressão”
No palco, o mandatário nicaraguense também condecorou a mãe de um dos policiais mortos, cujo cadáver foi incendiado na rua. Sobre os universitários e outros manifestantes mortos, disse que estavam sendo pagos e acusou "agências norte-americanas” de financiar a oposição.
O governo nicaraguense, no entanto, deu o aval oficial aos US$ 6,9 milhões desembolsados por Washington para ajuda ao país centro-americano apenas neste ano.
O ato contou com a presença dos chanceleres da Venezuela, Jorge Arreaza, e de Cuba, Bruno Rodríguez. Em discurso, ambos acusaram os EUA de estarem por trás dos protestos.
O representante de ditador Nicolás Maduro também ofereceu ajuda armada: “Saiba, presidente Ortega, que, se o povo bolivariano, os revolucionários da Venezuela, tivéssemos de vir a Nicarágua para defender a soberania e a independência, a ofertar nosso sangue pela Nicarágua, iríamos à montanha de Nova Segovia como [o líder guerrilheiro Augusto] Sandino."
A cerimônia, ao lado do palácio presidencial, foi também uma tentativa de demonstrar que Ortega, no poder há 11 anos, se mantém popular no país. Na multidão, muitos portavam algum apetrecho do patido governista Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN).
“Não quero que derrubem essa revolução. Custou sangue e sacrifício”, disse o tenente aposentado William Mendoza, 63. “Os sandinistas estão mais unidos do que nunca contra os grupos terroristas e os Estados Unidos.”