Entrada de refugiados cai nos EUA sob Trump e ONGs fecham escritórios
Quando chegou aos Estados Unidos, William Avwak ainda passava noites em claro lembrando dos anos de escravidão.
Ele nasceu “há pouco mais de 30 anos” na região africana onde desde 2011 existe o Sudão do Sul, há décadas palco de uma guerra com raízes étnicas e religiosas. Não conheceu os pais e foi criado até os 17 anos sob trabalhos forçados em uma fazenda.
Para escapar, migrou para a Síria, em 2005. Diante da guerra civil no país, fugiu de novo, em 2013, desta vez para o Líbano. Lá conheceu a esposa, com quem teve uma filha, e foram registrados como refugiado pelas Nações Unidas. Cinco anos depois, a família foi para os EUA.
Os três hoje vivem em Chicago, onde são atendidos pela World Relief, uma das nove ONGs credenciadas pelo governo americano para ajudar refugiados a aprender inglês, tirar documentos e conseguir moradia e trabalho.
Mas histórias como a de William, que já trabalha e estuda inglês, estão se tornando mais raras sob Donald Trump.
Como ele, mais de 3 milhões de pessoas encontraram acolhida nos Estados Unidos desde 1980, quando o ex-presidente Jimmy Carter assinou a Lei dos Refugiados, que permite a eles viverem normalmente no país.
É uma situação diferente da que ocorre em outros países, como na Turquia, que possui 3,5 milhões de refugiados, mas a maioria em situação temporária, sem direito a cidadania regular.
Mas desde 2017, o presidente dos EUA cumpriu sua promessa de campanha e reduziu o teto anual de refugiados de 110 mil para 45 mil pessoas.
E, em 2019, caso não haja resistência do Congresso, serão no máximo 30 mil, como anunciou há duas semanas o Secretário de Estado, Mike Pompeo.
Para o governo, os recursos devem ser realocados para outros programas de imigração. Trump também impôs novas condições à admissão, como provar dez anos de residência estável e fornecer contatos de familiares.
“São exigências incompatíveis com a vulnerabilidade inerente à condição de refúgio e que, na verdade, visam dificultar novas admissões”, afirma Christy Hillebrand, uma das diretoras da World Relief em Chicago.
Como resultado do maior rigor, o número de refugiados efetivamente admitidos no país caiu de 97 mil, em 2016, para 33 mil em 2017. Em 2018, até o final de setembro, foram 16 mil, nas contas da ONU.
E a redução foi maior entre muçulmanos: de 22,9 mil pessoas em 2017 para 1,8 mil em 2018, segundo análise recente do Pew Research Center.
No resto do mundo, o número de abrigados também caiu, de 92 mil em 2016 para 69 mil em 2017. Mas o declínio foi mais forte nos EUA, que em 2017, pela primeira vez desde 1980, receberam menos refugiados do que a soma de todos os outros países no mesmo período.
A nova política causa danos significativos também às entidades de assistência. E os cortes de Trump extrapolam as fronteiras dos EUA: em agosto, o presidente anunciou o fim do financiamento americano à agência da ONU para os mais de 5 milhões de refugiados palestinos, a UNRWA.
O escritório em Chicago da World Relief, que em todo o país costuma abrigar cerca de 10% dos que chegam aos Estados Unidos, auxiliou 424 pessoas em 2016, mas só 35 em 2018. Como seu orçamento depende de verbas públicas atreladas ao total de clientes, teve de fechar 5 de suas 25 unidades no país e demitiu 140 funcionários.
O cenário se repete na Hebrew Immigrant Aid Society (HIAS), outra ONG credenciada pelo Departamento de Estado dos EUA.
O número de refugiados atendidos por ela caiu de 4.191 em 2016 para 1.632 neste ano, e quatro escritórios foram fechados, incluindo os de Los Angeles e Chicago.
“A mudança de atitude é uma desgraça, um abandono à nossa tradição de liderança”, diz Bill Swersey, diretor de comunicação da HIAS.