Fito Páez transforma o Carnegie Hall em pista de dança latina

“Olê, olê, olê, olê, Fito, Fito.” O canto, comum entre torcidas de futebol, foi entoado no Carnegie Hall, templo da música nova-iorquina por onde já passaram ídolos como Beatles, em 1964, os roqueiros do Led Zeppelin, em 1969, e Frank Sinatra, em 1986.

O Fito do cântico é o roqueiro argentino Fito Páez, 55, que, em sua estreia no Carnegie Hall, em 28 de setembro, botou abaixo a formalidade do local, com suas cadeiras vermelhas estofadas e a decoração clássica com detalhes dourados.

No início do show, o público, formado praticamente pela comunidade latino-americana radicada em Nova York e por turistas, estava contido. Mas, antes do intervalo, vários se levantaram de seus lugares para dançar com o artista.

Era difícil saber quem estava mais feliz: se Fito, por realizar o sonho de tocar na casa, ou se os fãs, que cantavam a plenos pulmões canções do disco novo do músico, “La Ciudad Liberada”, lançado em novembro de 2017, e canções antigas.

“Foi maravilhoso. Um sonho é um sonho, e isso que aconteceu nesta noite não foi um sonho, foi totalmente real e emocionante”, disse o cantor e compositor à Folha. 

Fito Páez elogiou a acústica do local, “perfeita para tocar”. “É uma coisa lisérgica”, avaliou. “Esta noite foi muito quente.” É um bom adjetivo para descrever a reação do público, completamente entregue ao artista. 

Muitos tentavam gravar o show, mesmo sendo proibido pelas regras da casa. No começo, os lanterninhas ainda buscavam manter a ordem e pediam —muitas vezes à mesma pessoa— para que o registro cessasse. 

Pararam depois do intervalo, quando os fãs também desistiram permanentemente de ficar sentados em seus lugares e passaram a dançar e a cantar como se fosse não houve assentos no Carnegie Hall.

Fito Páez conseguiu entrar na casa nova-iorquina logo após ser indicado duas vezes ao Grammy Latino. “Tu Vida Mi Vida” concorre nas categorias melhor canção do ano e melhor canção de rock.

“É uma loucura tudo isso. Você está criando filhos, fazendo suas coisas com livros, filmes, roteiros, ensaios, música nova, música velha, shows, viagens. E, de repente, também a comunidade musical latino-americana decidiu me indicar com duas nomeações para uma mesma música”, diz Fito. “É um amor isso.”

Com quase 40 anos de carreira, o cantor diz que sua vida está “cada vez mais confusa e mais divertida também”.

Esse misto se reflete em suas músicas. O último álbum, que traz o rosto de Fito no corpo de uma mulher, mescla críticas a conflitos e ao ódio, como em “Islamabad” e “Nuevo Mundo”, mas também há espaço para falar de amor, como em “Tu Vida Mi Vida” e “El Amor Después del Amor”.

Em dezembro, os fãs brasileiros terão a oportunidade de assistir ao músico de Rosário. Ele se apresenta em Porto Alegre (2), São Paulo (3) e Rio de Janeiro (5).

É uma “volta para casa”, conta ele. “Meu pai me criou escutando música brasileira, no auge da bossa nova, com Antonio Carlos Jobim na crista da onda, fazendo aquela modernidade também, Matita Perê, aqueles álbuns delirantes”, diz.

O argentino fala com carinho do Brasil. Em passagens anteriores pelo país, Fito se apresentou ao lado de nomes como Herbert Vianna, Djavan e Milton Nascimento. 

“O Brasil é um lugar muito amado porque está enraizado na minha história quando eu era criança.”
O músico diz que acompanha de longe as turbulências pelas quais o país passa.

A veia política do artista extrapola a música. Em 2001, por exemplo, lançou “Vidas Privadas”, no qual foi roteirista e diretor. O longa, que foi exibido no Festival do Rio em 2002, aborda a última ditadura militar na Argentina, abordando os sequestros de crianças que ocorriam na época.

Na entrevista, Fito Páez não se furtou a falar de política. Para ele, falta ao país e à América Latina uma Justiça independente.

“É curioso como um homem está preso sem ter uma só prova. O Lula. [O juiz Sergio] Moro falou que tinha convicção, mas não tinha provas. A convicção não é justiça. A Justiça tem que ter provas”, defende. “Porque pode acontecer uma tragédia, e uma tragédia no Brasil não é qualquer coisa.”

“É isso que eu espero para meu filho, que ele possa viver num mundo muito mais livre, com mais amor e mais solidário nesse sentido”, diz. 

“Não acredito na vida selvagem, nunca acreditei, porque fui criado no cristianismo. Então muitos dos valores eu levo comigo.”

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